Entre figuras da noite, remédios contrabandeados, lares suburbanos e quartos de hospital, "Sangue Neon" tece mosaico da epidemia que redefiniu uma era
A
epidemia da AIDS não começou com estardalhaço, mas com sussurros: homens jovens
e saudáveis, de repente, condenados à morte. Sangue Neon, romance histórico do médico Marcelo Henrique Silva,
joga o leitor de cabeça nesse cenário em que figuras da noite, travestis
destemidas, profissionais de medicina recém-formados e comissários de bordo se
unem em uma luta contra a doença e a indiferença. Entre contrabando de
medicamentos e massacres ignorados, a narrativa ilumina vidas marginalizadas
que desafiaram o sistema e moldaram a saúde pública brasileira.
O
autor se baseia em fatos, não apenas para recriar a dramática ascensão da AIDS
no Brasil nos anos de 1980 e 1990, mas também como forma de desvelar as camadas
de preconceito, desinformação e lutas que marcaram o período. Por meio de uma
prosa potente, ele entrelaça personagens ficcionais e eventos históricos, e
tece um mosaico de relatos verossímeis sobre coragem, solidariedade e
abnegação. Episódios que aconteceram diante de um cenário nefasto de
negligência e desigualdade social.
Entre
as vozes, destacam-se Vera
Lynn, inspirada em Brenda Lee, uma travesti nordestina que
transforma dor em acolhimento ao fundar o primeiro abrigo para pessoas com HIV,
e Sara, médica
residente que enfrenta o peso de ser chamada “a doutora dos viados” enquanto
luta para salvar vidas em meio à falta de recursos. Há também um grupo de
comissários de bordo da Varig,
que traziam os medicamentos do exterior, enquanto médicos idealistas, como o
jovem infectologista Itamar,
sonhavam com a construção de um novo sistema de saúde.
Quando os contrabandos da Varig começaram a
chegar deu uma amenizada nas mortes. Lutávamos para que essas drogas fossem
liberadas e distribuídas; a tragédia só começou a ganhar destaque quando
atingiu famosos, artistas de novelas e filhos de deputados.
(Sangue Neon,
p. 126)
O
surto de vício em heroína e a ausência de testes nas doações de sangue
agravaram a propagação do vírus. Além de enfrentar a doença, esses
profissionais tinham que combater a desinformação: grande parte da população
acreditava na falsa ideia de que heterossexuais eram imunes. A maneira
atabalhoada com que a sociedade enfrentou o que rotulavam como “peste gay” é
retratada com intensidade por Marcelo,
que expõe, com igual veemência, a ineficiência do poder público.
“O Inamps, responsável por grande parte
dos serviços de saúde, atendia apenas trabalhadores com carteira assinada,
focando no retorno rápido ao trabalho, enquanto o Ministério da Saúde
transferia a responsabilidade para as secretarias estaduais”, expõe.
Meses após a criação do SUS, um contrato decisivo entre o Estado de São Paulo e
o "Palácio das Princesas" foi concretizado pelo peso jurídico da nova
Constituição Federal, o que consolidou a luta contra a doença – e tornou o
Brasil referência mundial no controle da AIDS.
Carregada
de emoções intensas, personagens complexos e questões sociais e humanas
profundas, a narrativa desperta uma reflexão inevitável e, muitas vezes,
desconfortável: epidemias afetam a todos, mas atingem mais os vulneráveis. Em Sangue Neon, o autor não
permite ao leitor se manter indiferente ou ileso, ele confronta, arrebata e faz
questionar.
Ficha Técnica
Título: Sangue Neon
Autor: Marcelo
Henrique Silva
Editora: Faria
e Silva (Grupo Alta Books)
ISBN: 978-6560251229
Formato: 14
x 21 cm
Páginas: 176
Preço: R$
38,90 (eBook) | R$ 56,90 (Livro físico)
Onde encontrar:
Amazon
Sobre o autor: Marcelo Henrique Silva
nasceu em Passos, no interior de Minas Gerais, mas hoje mora em Belo Horizonte.
É médico e atuou na linha de frente durante a pandemia de Covid-19. Tem como
foco o cuidado de grupos vulneráveis, minorias e pacientes oncológicos. Sangue Neon é seu
romance de estreia e vencedor da categoria autor estreante do Prêmio Alta Literatura.
Instagram: @marcelohenriqs
Comentários
Postar um comentário