*Milena
Mitkova Mincheva
Ser um ex-detento é sinônimo de
preconceito. Diariamente, eles esbarram com discriminações e intolerâncias na
hora da ressocialização mesmo após o cumprimento de suas penas. A sociedade age
com uma certa desconfiança para com eles, ou seja, uma vez colocado o adesivo
“ex-dentento”, sempre serão associados a uma pessoa criminosa ou sem
escrúpulos. Mas isso não é verdade.
Sem dúvida, existem algumas com tais
características, mas há também aquelas que cometeram infrações porque foram
enganadas e aliciadas por figuras convincentes. É o caso das chamadas “mulas”
no tráfico de entorpecentes. Muitos desses indivíduos, inclusive, saem dos seus
países de origem com promessas divinas e, posteriormente, são flagradas e
presos por tráfico de drogas. Posteriormente, são julgados e condenados,
porque, de fato, infringiram a lei. Mas, costumam ser figuras ingênuas, de
baixa escolaridade, ou jovens inexperientes.
Esse olhar para a vida dos estrangeiros
que chegam ao Brasil em busca de oportunidades de emprego, mas se veem
envolvidos no crime, é o que abordo no livro “Por dinheiro e poder”. Com base
em anos de trabalho na tradução forense e a partir de estudos sobre a
legislação brasileira, escrevi a história de um imigrante que vai morar em
Natal para trabalhar como guia turístico, porém descobre uma complexa rede de
tráfico. Sem saber como sair da situação, ele adentra em um mundo perigoso e
precisa renunciar à própria ética para sobreviver.
Neste sentido, a literatura se torna um
meio para refletir sobre as histórias de pessoas que podem até ter cometido
crimes, mas não são os grandes vilãos que a sociedade diz serem. Como trazer
essas histórias para o cotidiano? Como mostrar a trajetória daqueles que estão
em presídios sem entender o idioma local e sem nunca terem sido julgados? Como
retratar as dificuldades de ressocialização longe do núcleo familiar e das
raízes?
Diante de tantas questões, a
ressocialização pode se tornar disfuncional. Posteriormente, enfrentam entraves
a serem superados, como a falta de oportunidades de trabalho e demérito social,
o que, por si só, possibilita a reincidência de crimes na sociedade.
É necessário trazer mais discussões
sobre essas pessoas que, apesar de estarem envolvidas com o crime, precisam de
oportunidades para sair dele. O Estado deve rever o sistema penitenciário e
torná-lo mais humanizado, com oficinas profissionalizantes e educacionais,
cursos de português para os detentos estrangeiros, bem como oficinas de
leitura, que podem fazer toda a diferença na ressocialização e na reinserção
social de presos. Mas, a sociedade também precisa contribuir com sua parte ao
debater sobre o tema. E a literatura, com seu trabalho imaginativo, continua a
ser um meio para apresentar perspectivas que podem até passar despercebidas no
dia a dia, mas que merecem atenção de todos.
*Milena Mitkova
Mincheva é autora do livro “Por dinheiro e poder”, ficção policial que narra a
história de um jovem estrangeiro envolvido com o crime no Brasil
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