Artista
radicado em Curitiba se inspirou na obra de Fernando Pessoa para compor o álbum
Aos
16 anos, Bernardo Bravo leu
pela primeira vez o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, e se deu conta
que partilhava o mesmo nome com o heterônimo da obra: Bernardo Soares. O
artista, nascido Bernardo Soares Bravo, então maturou por anos essa conexão com
os textos do autor português e mais tarde, em 2019, nasceram as primeiras oito
faixas do Disco do Desassossego, que agora ganha sua continuação com o
lançamento do Disco do
Desassossego Deluxe. Com quatro músicas inéditas, comentários
em áudio a respeito da criação das faixas e trechos do livro declamados, o
álbum chega hoje às plataformas de streaming. Ouça aqui.
"O processo de composição foi inspirado no texto e no
próprio processo de criação do Livro do Desassossego, que foi feito durante 20
anos, de forma esparsa. Compus as músicas a partir de uma leitura oracular do
livro, em livre inspiração e com a vontade de atualizar os temas que Fernando
Pessoa trouxe no início do século 20 para o início do Século 21", conta o artista
radicado em Curitiba. O
disco conta com produção musical de Du Gomide e traz participações da banda
Tuyo, Patrice Quinn (Kamasi Washington), Ísis Odara, Cacau de Sá e Fe Koppe
(banda Mulamba), Janine Mathias, Juana Profunda, Larissa Tomas, Uyara Torrente,
Francisco Mallmann, Pretha Almeida e Gio Soifer.
Instrumentos
como rabeca, alfaia, flauta transversal, harpa, banjo e guitarra chinesa, entre
outros, compõem a sonoridade diversa do álbum, que tem inspiração no trabalho
de artistas como João Gilberto, Bonobo, Portico Quartet, Radiohead, Renata
Rosa, Peter Gabriel, Deborah Blando, Mayra Andrade, Bonga, Mestre Ambrósio,
Rachel Reis e Sufjan Stevens. Os temas das canções, por sua vez, também passam
por diferentes questões – desde as mais existenciais, como as escolhas que
fazemos na vida, às mais efêmeras, como a paixão.
Capa
A
capa traz o ambiente aquático já trabalhado no Disco do Desassossego, de 2019, e que
também está presente no Disco
do Desassossego Deluxe. "Bernardo
elegeu a água como elemento representante do desassossego e quando ele me disse
que a água também estava no áudio das músicas, com barulhos de chuva e do mar,
optei por trabalhar apenas com essa paleta de cores aquática: azul piscina,
turquesa, verde água. Todas as fotos e artes estão ou sugerem estar
dentro d'água", conta Nina Barbosa, que criou as imagens que
acompanham o álbum.
Faixa a faixa
Desassossego n.1 - Coração Alado traz um enunciado que
aborda os perigos de olhar muito para o céu, e dá início ao álbum com a poeta
Ísis Odara declamando Fernando Pessoa. Guitarra em escala pentatônica, flauta,
rabeca e harpa perfazem o arranjo.
"A música fala sobre o medo que o coração pode ter ao iniciar uma jornada
para dentro do desassossego. É o início do caminho do elemento água ainda no
estado de vapor", conta Bernardo.
Desassossego n.2 - Demolido se inicia com barulho
de serra ao fundo enquanto a poeta e compositora Cacau de Sá declama um texto
sobre a "era metálica dos bárbaros". Compondo musicalmente a faixa
estão barulhos de garganta manipulados em estúdio, formando o solo. Ao fim da
canção, um som de trovão anuncia a jornada da água em precipitação. "Este é um desassossego que fala
sobre a necessidade de desconstrução da nossa forma de pensar para caminhar
melhor."
Desassossego n.3 - Onira tem declamação de
Janine Mathias e aborda o poder da água como elemento que desfaz a forma bruta
das coisas e molda a vida a seu bel prazer. O arranjo contém guitarra chinesa,
rabeca, e sobreposição de vozes de Lio e Lay Soares, da banda Tuyo, com Patrice
Quinn, vocalista que integra o projeto de Kamasi Washington. "A Patrice veio nos visitar no dia
em que estávamos gravando a faixa, que foi composta para vozes femininas. Ela
sentiu a música e pediu para que eu traduzisse a letra, e topou gravar a
canção", conta Bernardo.
Desassossego n.4 - Amor livre traz a drag queen
Juana Profunda falando sobre a ideia do amor como algo que ama apenas a ideia
do ser amado. "É o
desassossego que abre o aspecto relacional do álbum, invocando de forma
paradoxal a ideia de amor livre."
Desassossego n.5 - Madrugada, com participação de
Larissa Tomas, é um bolero conduzido por rabecas, e fala sobre a possibilidade
de expressar em público uma grande paixão.
"A letra aborda a delícia de beber a madrugada em grandes
goles."
Desassossego n.6 - Coração do mar retrata o ciclo da
água elencado desde o Desassossego n. 1 e então deságua no mar. Uyara Torrente
declama texto de Fernando Pessoa que fala da relação sinestésica de um céu
estrelado com o barulho de todas as ondas. "É
o mar que nos conecta nesta canção: a inspiração de uma melodia do compositor
angolano Bonga, sob o ritmo da morna, do Cabo Verde; o texto do português
Fernando Pessoa; e a letra feita por mim, o Bernardo Soares brasileiro."
Desassossego n.7 - Farol tem participação de
Francisco Mallmann e é uma homenagem ao Farol da Ilha do Mel, no Paraná, que
representa a luz que pode nos guiar quando o desassossego joga com o acaso. O
arranjo é de rabeca, latão metálico e violão de nylon.
Desassossego n.8 - Pós-contemporaneidade abre com fala de
Pretha Almeida sobre o tema da canção: o ato de falar o que está na alma de
todos, mas que ninguém reconhece. "É
a metáfora da água sobre o amor, ou um encontro entre Fernando Pessoa e o amor
líquido de Zygmunt Bauman. É uma faixa com tema relacional, que reconhece no
texto final a capacidade que podemos ter de viver o sonho realizado no
corpo."
Desassossego n. 9 - Manda áudio foi criado durante a
pandemia e traz a metáfora da canção no pé-do-ouvido como o único jeito de,
durante aquele período, poder encostar em alguém. "É uma valsa/alento para um período de
tristeza."
Desassossego n. 10 - Sigilo, o single do disco, é
o momento em que o poeta encontra com o rebolado. "É Fernando Pessoa na Bahia. É uma relação 'tretada'
narrada com tom jocoso. É saber que vai ser treta e mesmo assim viver o que tem
de ser vivido."
Desassossego n. 11 - Quase 40 é uma canção de
redenção que afirma que o cuidado é o melhor jeito de se viver com genuinidade
e autenticidade. "Essa é
a coleta preciosa de frases dos meus amigos que tem quase quarenta anos postas
a fio e em sequência."
Desassossego n. 12 - Nenna homenageia os quatro afilhados de Bernardo Bravo e remete a mesma escala do Desassossego n.1: é a água final, retornando ao seu ciclo.
FICHA TÉCNICA
Direção
artística: Bernardo Bravo
Produção musical: Du Gomide
Engenheiro de Mixagem: Fred Teixeira (exceto Desassossego n. 10 - Sigilo,
engenheiro de mixagem Guigo Berger e assistente de mixagem José Miziara)
Masterização: Fred Teixeira (exceto Desassossego n. 10 - Sigilo, masterizada
por Felipe Tichauer e os comentários, gravados por Bernardo Bravo e
masterizados por Du Gomide)
Foto capa: Nina Barbosa
Gravado entre 2019 e 2024 no Estúdio Santa Gravina, exceto vozes gravadas no
Estúdio Arnica.
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