Em
entrevista, Teresa Guimarães, autora do livro "A procura de Theo",
fala sobre a importância de encarar o envelhecimento com otimismo e viver novas
experiências, independentemente da idade
Theodora passou anos
casada com um marido bem-sucedido e parecia ter a vida perfeita. Então chegou a
meia-idade e, com ela, a sensação de que tudo poderia ser diferente se ela
tivesse percorrido outros rumos. Nem sempre a realidade é assim, mas a autora Teresa Guimarães usa este perfil na protagonista do romance A procura de
Theo para retratar a eterna
busca humana por compreender seu lugar no mundo.
Nesta entrevista, a escritora relaciona
a jornada de envelhecimento da personagem à importância de se permitir amar
novamente na maturidade. Confira na íntegra:
1 - Um romance
epistolar, A Procura de Theo
mescla cartas a e-mails, mensagens de Facebook e WhatsApp. O que a inspirou a
escolher essa técnica para contar a história de Theodora e como você acha que o
formato contribui para a profundidade dos personagens?
Teresa Guimarães: Li dois livros neste
formato epistolar. O primeiro foi A Caixa Preta, de Amos Oz, em que ele, usando a correspondência entre os
personagens, descreve o difícil relacionamento de um casal divorciado. Entre os
protagonistas deste livro, desfilam advogados de ambas as partes, filhos e
cônjuges. Eu, que na época era recém-divorciada, achei muito interessante esta
maneira de escrever. Cada um tem a sua própria verdade. E cada um tem sua
maneira de enxergar o mundo, suas defesas, suas fraquezas. Ler um livro
epistolar faz o leitor se tornar um participante ativo da leitura. É ele quem
preenche as lacunas. Depois de já ter escrito A Procura de Theo, mais recentemente li outro livro epistolar da historiadora
Mary Del Priori. A obra chama-se Beije-me Onde O Sol Não Alcança e conta a história verídica de um triangulo amoroso entre um
conde russo, a herdeira de um barão do café e uma ex-escrava. O livro é
belíssimo e Mary o escreveu porque foi presenteada com um baú de cartas daquela
época, do século XIX. E mais uma vez constatei que esta maneira de escrever
resulta num olhar mais abrangente de toda história e dos personagens.
2 - A protagonista é
uma parapsicóloga que sofre com Transtorno de Déficit de Atenção, o que
adiciona uma camada única à sua personalidade. Como você abordou a
representação da saúde mental no livro e qual importância você atribui à
representatividade de personagens com neurodivergência na ficção?
Teresa Guimarães: A Theo fala sobre o
seu transtorno de déficit de atenção logo no início do livro. Reclama que
sempre se sentiu um peixe fora d’água. Ela toma consciência da sua dificuldade
ainda muito pequena na infância, e se queixa que sempre se sentiu inadequada,
mesmo aos olhos da mãe. Sua dificuldade em tomar decisões é o reflexo de uma
pessoa que se sente isolada do mundo. Isto gera muita insegurança. Mas eu quis
abordar o problema de uma maneira leve. Conheço intimamente pessoas com TDAH
que conseguiram se realizar profissionalmente ou se realizaram em alguma área
de sua vida. Acho que nem sempre o diagnóstico é destino, é sina. Mesmo antes
da catalogação do transtorno, várias pessoas conseguiram contorná-lo sem
remédio. É importante ressaltar que pessoas com o déficit não estão aquém da
maioria. Elas podem parecer aéreas, mas às vezes têm mais profundidade do que
muitas pessoas sem o déficit. Alguns historiadores especulam que Albert
Einstein tinha TDAH, que ele tinha muita dificuldade em manter o foco nas
tarefas. Mas isto não o impediu de se realizar profissionalmente. Acho
importante as pessoas seguirem suas vidas sem estarem presas a um rótulo, uma
moldura.
3 - O livro menciona contextos históricos como a ditadura
militar e o início da era digital, que moldam a vida dos personagens ao longo
do tempo. Como você enxerga a relação entre a construção da identidade
individual e a realidade em que os sujeitos estão inseridos?
Teresa Guimarães: Acho que o contexto no
qual nascemos (onde, quando, como) nos define bastante. Há divergências na
porcentagem, os cientistas nunca entram em consenso. Somos uma somatória
inexplicável de fatores. E infelizmente somos produto do meio, sim. Não de um
jeito positivista, temos o livro arbítrio, mas o ambiente nos molda muito. Eu,
por exemplo, nasci na ditadura e nunca me esqueci do que vivemos. Tive parentes
torturados, minha casa foi invadida uma vez por um órgão governamental chamado
Dentel, somente porque meu pai tinha um rádio amador. Eu era adolescente,
estava sozinha em casa e fiquei muito assustada com aquela vistoria deliberada.
Anos depois participei das Diretas Já compulsivamente. Quem viveu não esquece.
E na questão das inter-relações, a comunicação era totalmente diferente. Hoje é
tudo rápido, imediato. E vivenciei o tempo das trocas de cartas. A telefonia
era caríssima e ineficiente, e, como estudantes, tínhamos de nos virar com as
cartas. As respostas demoravam. Quando viajávamos mandávamos cartões postais.
Hoje, alguém lembra o que é isso?
4 - A obra aborda a
busca de Theodora pela felicidade e pelo significado da vida em diferentes
aspectos. Como você espera que essa busca ressoe com os leitores, especialmente
aqueles que estão enfrentando crises pessoais ou de identidade semelhantes?
Teresa Guimarães: Eu espero que faça
alguma diferença na vida dos meus leitores. Acho que esta é uma das funções da
literatura: mostrar uma luz no final do túnel. Reconheço o valor da literatura
como denúncia e expurgo, mas quando escrevo prefiro trazer uma mensagem
otimista. Não tenho religião, mas acredito muito em Deus, no Deus de Spinoza,
que permeia tudo. Creio piamente que tudo tem um propósito, que estamos aqui
para aprender, que a vida é uma jornada de aprendizado. Não viemos ao mundo
para sermos bem-sucedidos. Penso que estamos neste planeta apenas para nos
realizarmos como seres humanos.
5 - Família, amizade,
perda e superação são alguns dos principais temas da narrativa. No final do
livro, como você vê a evolução de Theodora e qual é o significado mais profundo
dessa jornada para você como autora?
Teresa Guimarães: Como seres humanos
nunca estamos prontos. Creio que até o final da vida ainda estamos em constante
construção. O envelhecimento é cheio de lições. Quando o corpo começa a
enfraquecer e voltamos a depender de pessoas ao nosso redor, isto exige
humildade. Humildade para ser novamente cuidado, limpado, alimentado etc. O
livro termina com a Theo desfrutando alguns benefícios da meia-idade: ela se
sente mais segura, mais plena, mais feliz. No final, quis fazer uma homenagem
ao Gabriel García Márquez, e coloquei a Theo e o Thomáz em Cartagena. Eu quis
usar esta metáfora do amor na maturidade, a mesma de O amor nos
tempos do cólera. Eu mesma, nos
meus 56 anos, já vivi muitas perdas e lutos. Já vivi muitas vidas. Me olho no
espelho e vejo um rosto cheio de marcas. Mas eu não gostaria de voltar atrás,
de voltar para a minha juventude. Sou muito mais realizada. Eu não trocaria
minha paz e serenidade de hoje pelo meu rosto jovem do passado. De maneira
nenhuma.
Sobre a autora:
Formada em Arquitetura e Urbanismo pela PUC de Goiás, Teresa Guimarães foi
bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) no campo de estudos do art decó. Nascida em Barretos, no interior de São Paulo, viveu em
várias regiões do Brasil e do mundo, mas agora reside no Uruguai. Apaixonada
por literatura, estreia como escritora com o livro A procura de
Theo.
Redes sociais da autora:
Instagram: @teresajguimaraes
Comentários
Postar um comentário