Ana
Beatriz Dias Pinto, especialista em Teologia e Cultura dos Povos e professora
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), esclarece os motivos que
levaram a uma mudança de calendário e, consequentemente, ao costume popular
mundial de se fazer brincadeiras no início do mês de abril.
1) Quando surgiu o “Dia da Mentira”?
Antes
da introdução do Calendário Gregoriano, o calendário mais amplamente utilizado
no mundo ocidental era o Calendário Juliano. O Calendário Juliano foi
instituído por Júlio César em 45 a.C. e era baseado no ciclo solar, com um ano
de 365 dias dividido em 12 meses. No entanto, o Calendário Juliano não levava
em consideração a diferença entre o ano solar e o ano trópico, o que resultava
em um descompasso gradual entre o calendário e as estações do ano.
Foi
então que, no dia 24 de fevereiro de 1582, o Papa Gregório XIII decretou uma
mudança na contagem do tempo. A alteração foi determinada por meio da bula
papal chamada “Inter Gravíssimas”. O documento criou o Calendário Gregoriano,
para ajustar o ano civil ao ano solar, período que a Terra leva para dar uma
volta ao redor do Sol. A contagem dos dias do Calendário Gregoriano leva em
conta o ciclo solar, que possui 365 dias e 6 horas. Aí, essas 6 horas que
sobram são acumuladas e se transformam em 1 dia a cada 4 anos. Por isso que
existem os anos bissextos.
O
primeiro país a adotar o calendário depois da Itália foi a França. Mas, quando
o rei da França, Carlos IX, o instituiu, houve muita confusão! Afinal, até esta
data, todo “Ano Novo” se iniciava no dia 1° de abril. Com a modificação, a
tradicional troca de lembrancinhas de “boas entradas” pela passagem do ano
(como doces, champagnes e até mesmo itens de luxo, como joias e pedras
preciosas) transferiu-se, com o novo calendário, para o dia 1° de janeiro.
2) Mas por que foi chamado de dia da mentira?
Porque
alguns franceses resistiram à mudança e continuaram a seguir o calendário
antigo - e até mantiveram a troca e festas nessa data, de 1º de abril.
Para
se ter uma ideia do conservadorismo francês, basta lembrar a História: até a
entrada em vigor da moeda europeia, o Euro, muitos franceses ainda calculavam e
referiam-se como moeda “oficial” da França ao Antigo Franco, uma moeda que foi
substituída em 1958 pelo novo Franco, que depois deu lugar ao Euro entre 1998 e
1999. Ou quando a Igreja em 1965 instituiu, pelo Concílio Vaticano II, a missa
“de frente para o povo”, com o padre não mais de costas, houve muita gente que
não gostou e até hoje só vai à missa de rito tridentino.
Pois
bem... lá no século XVI, quem era “menos tradicional”, para ridicularizar os
que resistiram ao novo calendário, passou a enviar presentes esquisitos e até
mesmo convites para festas inexistentes. E essas brincadeiras ficaram
conhecidas como plaisanteries. Ou seja: “piadas”,
“charadas”.
Foi
então que, pouco a pouco, outros monarcas foram adotando o calendário
gregoriano e a brincadeira do trote do 1° de abril espalhou-se pelo mundo,
atingindo inúmeras outras culturas para além do cristianismo católico. Afinal,
esse calendário passou a ser a “nova” realidade mundial. Como o ato de fazer
piadas caiu no gosto popular, especialmente aqui no Brasil, que é um país no
qual o povo tem frequentemente gosto pela diversão e pela chacota, a coisa se
espalhou.
3) Então, de maneira geral, o Dia da Mentira tem início com
uma questão religiosa?
Sim,
tem a ver com uma questão religiosa! Paradoxalmente, o dia do trote e da
mentira tem a ver com a Igreja Católica e seu calendário oficial, que é o
gregoriano. Mas também tem a ver com o uso da Ciência por meio da Religião. Foi
por meio de cientistas, com a observação do sol, que a Igreja Católica adotou o
novo calendário.
Porém,
é importante lembrar: a religião não apoia esse tipo de brincadeiras,
especialmente as mais exageradas. Já se passaram cinco séculos desse
episódio... E nem sempre todo mundo gosta dessas brincadeiras de trolagem ou
pegadinhas. Aliás, todo excesso que uma pessoa comete, por mais que seja
uma data “leve”, pode trazer consequências e repercussões negativas para si
mesma. Por isso, o 1º de abril poderia muito bem ser conhecido atualmente como
“o dia da realidade” ou mesmo como o “Dia do Diálogo entre Ciência e Fé”.
4) Outras religiões também possuem seus calendários?
Sim!
Existem inúmeros! Vou citar outros três, que são os mais conhecidos:
- O chinês é o mais antigo que se tem notícia. Ele surgiu
entre 2697 e 2597 antes de Cristo. O Calendário Chinês é lunissolar, ou
seja, considera tanto os ciclos do Sol quanto os da Lua. Além disso, conta
o tempo em ciclos de 12 anos. Cada um tem o nome de um animal e é daí que
vem o horóscopo chinês. Os animais são: Boi, Cão, Carneiro, Cavalo,
Coelho, Dragão, Galo, Macaco, Porco, Rato, Serpente e Tigre. A partir do
dia 10 de fevereiro de 2024, entramos no ano 4722 do calendário chinês, no
qual se comemora o Ano do Dragão
- O Calendário
Judaico, que também é lunissolar, mas seus ciclos dão uma
variada entre 12 e 13 meses. Ele foi criado na época do Êxodo, por volta
de 1447 antes do nascimento de Cristo. Só pra se ter uma ideia, o dia 1 de abril de 2024 do
Calendário Gregoriano é o primeiro dia do mês de Nisan de 5784 no
Calendário Judaico. Israel usa esse calendário há mais de
3 mil anos. Os meses do Calendário Judaico são Nisan, Iyar, Sivan, Tammuz, Av, Elul, Tishrei,
Cheshvan ou Marcheshvan (dependendo se é um mês de 29 ou 30 dias),
Kislev, Tevet, Shevat e
Adar. Em anos bissextos, um mês extra chamado Adar II é
adicionado após o mês de Adar. Este sistema visa sincronizar o calendário
lunar com o calendário solar, garantindo que as festas religiosas ocorram
nas estações corretas do ano. Cada mês judaico tem sua importância
cultural e religiosa, com festivais, celebrações e rituais específicos
associados a eles.
- Por fim, o Calendário
Islâmico, que surgiu em 633 depois do nascimento de
Cristo, quando o profeta Maomé fugiu da cidade de Meca pra Medina. Esse é
um calendário lunar, com 12 meses de 29 ou 30 dias. Seus anos têm entre
354 e 355 dias. Quem é muçulmano ortodoxo comemora as datas religiosas e
festivas com esse calendário, como
o mês do Ramadã, que é o Ano Novo islâmico. Em 2024, o Ramadã
provavelmente começará ao entardecer do dia 2 de abril de 2024 (1º de
Ramadan 1445 AH) e terminará ao entardecer do dia 1º de
maio de 2024. Estas datas podem variar ligeiramente dependendo da
observação da lua em cada região. É importante ressaltar que as datas
exatas do Ramadã são determinadas pela observação da lua nova, e a
confirmação oficial do início do Ramadã é anunciada pelas autoridades
islâmicas competentes.
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