Por
Víktor Waewell*
Dá
para fazer livros razoáveis com Inteligência Artificial. Há casos de autores
com centenas de livros já publicados com a tecnologia, outros que geraram
livros infantis em menos de 72 horas, incluindo as ilustrações. Quem publicou
na Amazon recentemente deve ter notado o campo para marcar se usou Inteligência
Artificial. Para conter a enxurrada de livros feitos com IA, a plataforma tomou
medida que mostra a situação: restringiu a publicação, por dia, por autor, em
até 3 livros. Não para aí.
Um
amigo outro dia desses, precisando contar uma história para o filho dormir,
recorreu ao Chat GPT, que não só criou uma narrativa com o personagem preferido
do menino, como ainda incluiu o garoto na história. Foi um sucesso, repetido lá
desde então.
É
claro que, como autor, já refleti sobre o impacto da Inteligência Artificial na
literatura. Serei obsoleto? Por outro lado, como leitor, terei ótimos livros
para ler?
Olha,
a real é que muita gente que trabalha com literatura vai ficar sem emprego,
principalmente quem faz processos relativamente repetitivos, como correção,
tradução, narração de audiolivros, diagramação, capa, algumas fases da edição e
até ilustração e impressão. Agora, se a máquina vai desempregar muitos, é
porque, ao mesmo tempo, será indispensável aos que sobrarem para usá-la. E,
sim, o público provavelmente terá mais livros e com mais qualidade dos seus
autores preferidos, pelo ganho de produtividade.
Mas...
e o próprio autor, não será substituído? Sim e não. Autores que
investem em volume, com qualidade mediana, serão atingidos em cheio. Porque
volume, já está claro, é o que a IA faz bem. Em breve, será tão fácil fazer um
livro que a pessoa poderá gerar, em instantes, um para ela mesma ler. De
qualidade artística duvidosa, como eu explico adiante, é um conteúdo que terá
valor pelo alto grau de personalização.
É
diferente o caso de autores que buscam qualidade artística. Estes serão os que
vão sobrar. Ora, mas por quê? Não será questão de tempo até a IA fazer
histórias tão boas quanto os grandes mestres? Não parece ser o caso. Por
duas razões.
Primeiramente,
o público busca, nas artes, antes de qualquer coisa, identificação. Diante de
uma expressão precisa do que sentimos, por exemplo, é necessário, para uma
experiência aguda, ter sido uma pessoa que a produziu, pois só assim sabemos
haver mais alguém no mundo que entende aquilo. Aspectos assim fazem a magia da
autoria. Uma simulação jamais lançará esse feitiço.
Mas,
então, não basta gerar textos com IA, sem o leitor saber?
Podem
tentar, mas aí encontramos o limite desta tecnologia, assim como do ser humano.
É que, enormes os recursos da máquina, continua sendo uma simulação. Não possui
senso de justiça, raiva, nunca amou ninguém, não tem tesão, nem fome, medo da
morte, nada. Então, ela não vai chegar a conclusões realmente impactantes,
porque não está aqui fora vivendo o que vivemos em tempo real, tampouco irá
demonstrar com ações que segue os próprios conselhos, sendo, portanto, palavras
ao vento. Na outra ponta, autores que abusarem do uso da IA, eles mesmos vão
destreinar. A capacidade linguística, como qualquer outra, regride quando não é
usada.
É como um corredor que decide se mover pela pista sempre de moto. Em algum momento, os músculos vão atrofiar e ele poderá até ir rápido, mas não será correndo.
Víktor
Waewell é
escritor, autor do livro “Guerra
dos Mil Povos”, uma história de amor e guerra durante a maior revolta
indígena do Brasil.
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