Por
Víktor Waewell*
Para
falar das mulheres indígenas, começo pelos homens europeus. Eles, mesmo que
tivessem família, costumavam vir sozinhos ao Brasil. Ficavam aqui o tempo
suficiente para conseguir riqueza, por exemplo, na forma de um carregamento de
pau-brasil. Mas havia os que se adaptavam e se radicavam. Com superioridade de
armas e uma boa ajuda das doenças que vinham nas naus, aos poucos venceram as
batalhas contra os guerreiros nativos e estabeleceram a nova colônia
portuguesa.
Neste
contexto, homens nativos, vencidos, quase sempre acabaram mortos ou
escravizados, de modo que a nossa tradição patriarcal e todo o ordenamento
jurídico e político são, basicamente, europeus, trazidos pelos homens.
E as
mulheres daqueles tempos?
Ora,
com tantas guerras e matanças, para aqueles europeus que chegavam sozinhos não
havia falta de viúvas e órfãs nativas. Fosse por arranjos, de início violentos,
ou com afeto, homens brancos se juntaram a mulheres indígenas.
É aí
que a história melhora.
As
mulheres nativas exerceram poder sobre as coisas da casa. Por isso, legaram
traços culturais preciosos e de que tanto nos orgulhamos. Na culinária,
ingredientes como mandioca, feijão, banana, açaí, castanhas, carnes de caça e
de pesca, que basicamente definem a nossa culinária de norte a sul. Não tem um
brasileiro que não se orgulha da culinária da própria cidade ou estado. Eu,
quando estou longe de casa e quero agradar, vou logo elogiando a comida. Sempre
funciona. Também os banhos frequentes. A rede na varanda. A própria relação com
o terreiro, o quintal, uma hortinha de que a mulher cuida, bem diferente dos
pátios internos à moda moura de Portugal.
Durante
muito tempo, a língua mais comum, usada como língua franca no Brasil, não era o
português, mas o tupi, ensinado pelas mulheres aos filhos. São vários os casos
dos bandeirantes, que eram homens miscigenados e andavam descalços pelas
trilhas, usando intérpretes para conversar com autoridades portuguesas, mesmo
após séculos de colonização. Hoje, estima-se cerca de 10 mil palavras de origem
tupi na nossa língua, o que dá uns 3% do total.
Mais
que a quantidade, a importância dessas palavras é monumental. Lugares às vezes
arrasados, mas cujos nomes permanecem, seja como bairro ou cidade que surgiu
sobre as cinzas de uma aldeia, ou pontos de orientação. Irajá, Icaraí, Catete,
Baía de Guanabara, Itaoca, Niterói, Ubatuba, Mambucaba, Taquari, Taguaraçutiba,
Pico do Itacolomi, Itambé, Pindamonhangaba, Atibaia, Araxá, Guarapari,
Guarulhos, Campos dos Goytacazes, entre muitos e muitos outros.
Isso
tudo é herança das mulheres indígenas, cruciais para alguns dos aspectos da
nossa cultura de que mais nos orgulhamos, tão arraigados que parecem naturais
como tomar banho, até que encontramos pessoas com um costume diferente.
Neste
8 de março, Dia Internacional da Mulher, um viva às mulheres brasileiras.
Um viva às mulheres indígenas, nem sempre lembradas.
Víktor
Waewell é
escritor, autor do livro “Guerra dos Mil Povos”, uma história de amor e guerra
durante a maior revolta indígena do Brasil.
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