Editora Anticítera resgata “A Guayrá”, de Rocha Pombo

A epopeia indianista A Guayrá, do paranaense Rocha Pombo (1857-1933), acaba de ganhar nova edição – cento e trinta e dois anos depois de sua primeira publicação, em 1891, e trazendo uma restauração da capa original. A responsável pelo resgate é a casa independente Anticítera, conduzida por Claudecir de Oliveira Rocha. “Mais do que sua importância histórica, o resgate de uma obra literária desse porte demonstra o quanto precisamos conhecer nossa própria literatura, dialogar com a tradição, como bem defendia T. S. Eliot, para construir a escrita que se quer moderna”, analisa o doutor em Literatura pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).  

O tema principal d’A Guayrá – obra de doze cantos em decassílabos brancos, escrita em 1886, que mantém a grafia original do título usada na época colonial como Guayrá, aportuguesada como Guaíra – é a guerra, principalmente a coragem de guerreiros indígenas contra a exploração europeia, em especial a dominação espanhola na região conhecida como Guaíra, hoje território pertencente ao Estado do Paraná e que se estendia até o Paraguai, onde os espanhóis fundaram pequenos povoados como OntiverosVilla Rica do Espíritu Santu e Ciudad Real de Guayrá, e que exploravam a mão de obra escrava indígena ou vendiam-na para os bandeirantes paulistas. O fato é que os indígenas que habitavam a região não tinham muita saída na época do domínio espanhol: ou eram escravos dos espanhóis ou eram vendidos como escravos para os bandeirantes paulistas, ou ainda se submetiam à catequese dos jesuítas.  

Enredo e referências

Ao estilo do famoso poema O Uraguai, de Basílio da Gama (1740-1795), Pombo usa seu conhecimento histórico para construir essa narrativa poética a fim de preencher certas lacunas da história da formação do povo e do território brasileiro na época colonial. Nos versos, tribos de várias etnias se unem para um propósito comum: a expulsão dos espanhóis. Temos um conselho de guerra no qual Gatan, líder indígena, lamenta o destino do povo submetido ao branco europeu e os guerreiros clamam pela guerra de libertação dos espanhóis. No debate, lembram das atrocidades cometidas pelos espanhóis na conquista espanhola na América Latina, o que aproxima muitas tribos. Elaboram estratégias de combate, mas há inúmeras derrotas e muitos guerreiros indígenas mortos, já que não tinham chances contra o poderio dos espanhóis.

“Além do seu valor história, A Guayrá é um poema de beleza singular e é louvável o esforço de Rocha Pombo em criar belas imagens e cenas da vida cotidiana desses indígenas que habitavam a região de Guaíra e sua constante luta pela liberdade”, pontua o editor.

Histórico

Rocha Pombo, geralmente reconhecido como historiador por ter publicado inúmeros volumes de história do Brasil e da América Latina, também tem uma importante trajetória literária pouco estudada, exceto pelo romance simbolista No Hospício, de 1905. Fora esse, publicou romances como A Honra do Barão, em 1881, e deixou livros de poesia inéditos como Marieta, de 1896, e a epopeia chamada Stella.

Trecho d’A Guayrá

Canto Primeiro

Eu vou cantar a raça heroica e triste,

Que o sol da pátria adora, e a liberdade

E o ermo à vil escravidão prefere;

Que o crime de ser livre, e rude o peito

Enorme e vigoroso, em duro exício

Mostrar, pagou com o banimento eterno.

Oh vós, benditos gênios das florestas,

Abalador trovão, deus formidando

Do bárbaro — inspirai-me: a voz potente

E grave eu tenha agora; pois celebro

A dor mais santa que já foi sentida. —

O Beduíno altivo não suspira

No deserto areal por vossas pompas,

Oh cidades de Mena deslumbrantes.

Nem o estéril torrão maldiz blasfemo

Por não ter primavera. Nem impreca

Por não ter da esperança o azul bendito

O triste céu da pátria — em cuja face

Vê-se o sinistro acento das esfinges.

Ama a tormenta o Beduíno altivo!

Aquele céu e aquelas ventanias

Dão-lhe relevo ao vulto, nos escombros

Erguido, a coma solta, o olhar tremendo,

O horizonte inquirindo escuro e fundo.

Assim da nova plaga o filho insano

Impassível desdém aos esplendores

Opõe de um outro mundo — deslumbrante

Nos falsos lábios da mentida gente.

As florestas sem fim têm mais encantos,

E mais vale ser livre que ser grande;

Mais do que ter na Europa a majestade

De rei soberbo e ter na natureza

Vasta, opulenta a majestade de homem.

Com as plantas o herói o chão abala

Da afortunada terra americana,

Atlântida sonhada, ou bela Hespéria

Sempre a fugir ao longe esplendorosa

Nas florestas d'além reverdecidas.

A sua voz é o vendaval que passa

Nas serrarias a rugir tremendo:

E como as feras a tormenta assombra

Faz no deserto estremecer de espanto

Ao branco o filho das brasílias selvas.

Serviço

A Guayrá, de Rocha Pombo

200 páginas | 16x23cm

de R$ 59,90 R$ 49,90

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