O tema principal d’A Guayrá – obra de doze cantos em decassílabos brancos, escrita em 1886, que mantém a grafia original do título usada na época colonial como Guayrá, aportuguesada como Guaíra – é a guerra, principalmente a coragem de guerreiros indígenas contra a exploração europeia, em especial a dominação espanhola na região conhecida como Guaíra, hoje território pertencente ao Estado do Paraná e que se estendia até o Paraguai, onde os espanhóis fundaram pequenos povoados como Ontiveros, Villa Rica do Espíritu Santu e Ciudad Real de Guayrá, e que exploravam a mão de obra escrava indígena ou vendiam-na para os bandeirantes paulistas. O fato é que os indígenas que habitavam a região não tinham muita saída na época do domínio espanhol: ou eram escravos dos espanhóis ou eram vendidos como escravos para os bandeirantes paulistas, ou ainda se submetiam à catequese dos jesuítas.
Enredo e referências
Ao estilo do famoso poema O Uraguai, de Basílio da Gama (1740-1795), Pombo usa seu conhecimento histórico para construir essa narrativa poética a fim de preencher certas lacunas da história da formação do povo e do território brasileiro na época colonial. Nos versos, tribos de várias etnias se unem para um propósito comum: a expulsão dos espanhóis. Temos um conselho de guerra no qual Gatan, líder indígena, lamenta o destino do povo submetido ao branco europeu e os guerreiros clamam pela guerra de libertação dos espanhóis. No debate, lembram das atrocidades cometidas pelos espanhóis na conquista espanhola na América Latina, o que aproxima muitas tribos. Elaboram estratégias de combate, mas há inúmeras derrotas e muitos guerreiros indígenas mortos, já que não tinham chances contra o poderio dos espanhóis.
“Além do seu valor história, A Guayrá é um poema de beleza singular e é louvável o esforço de Rocha Pombo em criar belas imagens e cenas da vida cotidiana desses indígenas que habitavam a região de Guaíra e sua constante luta pela liberdade”, pontua o editor.
Histórico
Rocha Pombo, geralmente reconhecido como historiador por ter publicado inúmeros volumes de história do Brasil e da América Latina, também tem uma importante trajetória literária pouco estudada, exceto pelo romance simbolista No Hospício, de 1905. Fora esse, publicou romances como A Honra do Barão, em 1881, e deixou livros de poesia inéditos como Marieta, de 1896, e a epopeia chamada Stella.
Trecho d’A Guayrá
Canto Primeiro
Eu vou cantar a raça heroica e triste,
Que o sol da pátria adora, e a liberdade
E o ermo à vil escravidão prefere;
Que o crime de ser livre, e rude o peito
Enorme e vigoroso, em duro exício
Mostrar, pagou com o banimento eterno.
Oh vós, benditos gênios das florestas,
Abalador trovão, deus formidando
Do bárbaro — inspirai-me: a voz potente
E grave eu tenha agora; pois celebro
A dor mais santa que já foi sentida. —
O Beduíno altivo não suspira
No deserto areal por vossas pompas,
Oh cidades de Mena deslumbrantes.
Nem o estéril torrão maldiz blasfemo
Por não ter primavera. Nem impreca
Por não ter da esperança o azul bendito
O triste céu da pátria — em cuja face
Vê-se o sinistro acento das esfinges.
Ama a tormenta o Beduíno altivo!
Aquele céu e aquelas ventanias
Dão-lhe relevo ao vulto, nos escombros
Erguido, a coma solta, o olhar tremendo,
O horizonte inquirindo escuro e fundo.
Assim da nova plaga o filho insano
Impassível desdém aos esplendores
Opõe de um outro mundo — deslumbrante
Nos falsos lábios da mentida gente.
As florestas sem fim têm mais encantos,
E mais vale ser livre que ser grande;
Mais do que ter na Europa a majestade
De rei soberbo e ter na natureza
Vasta, opulenta a majestade de homem.
Com as plantas o herói o chão abala
Da afortunada terra americana,
Atlântida sonhada, ou bela Hespéria
Sempre a fugir ao longe esplendorosa
Nas florestas d'além reverdecidas.
A sua voz é o vendaval que passa
Nas serrarias a rugir tremendo:
E como as feras a tormenta assombra
Faz no deserto estremecer de espanto
Ao branco o filho das brasílias selvas.
Serviço
A Guayrá, de Rocha Pombo
200 páginas | 16x23cm
de R$ 59,90 R$ 49,90
Comentários
Postar um comentário