Obra expõe as origens dos sofrimentos
psicológicos da população preta e tece críticas à noção de neutralidade racial
adotada em consultórios para diagnósticos e tratamentos
O índice de suicídio entre jovens negros
é 45% maior do que entre brancos, segundo levantamento do Ministério da Saúde.
Na faixa etária de 10 a 29 anos, a probabilidade chega a 50%. Este dado alarmante é
apenas um dos indicativos de que a população preta está mais vulnerável aos
sofrimentos psicoemocionais. Como então oferecer ferramentas para entender as
origens e lidar com essas angústias que representam o limiar entre a vida e a
morte de muitos?
Para as pesquisadoras na área de saúde
mental de pessoas negras e criadoras dos projetos Pra Preto Ler e Pra Preto Psi, Bárbara Borges e Francinai Gomes, a
resposta para tratar do problema está na adoção de estratégias de promoção de
autoconhecimento e do fortalecimento do senso de comunidade. Elas discorrem
sobre esta busca pelo bem-estar no livro Saber de
Mim, lançamento da editora Almedina Brasi.
Ao adotarem a “escrevivência”, técnica
cunhada pela escritora e linguista Conceição Evaristo para definir um estilo de
escrita diretamente relacionado às vivências de quem escreve, as autoras
conquistam proximidade com o leitor. Essa conexão aparece especialmente quando
exploram temas densos que escancaram as feridas causadas pelas inúmeras formas
de perpetuação do racismo.
A obra tem como ponto de partida a
discussão sobre os prejuízos causados pela alienação racial, estabelecida
quando o negro não se reconhece como tal para evitar cargas negativas
relacionadas às experiências de ser uma pessoa de cor no Brasil. Segundo
Bárbara e Francinai, esse processo alienante é incentivado principalmente pela
exaltação da política de democracia racial, falsamente difundida no país.
As pesquisadoras destacam também o
dilema da fraternidade entre negros, que costuma se dar apenas pela dor e
sofrimento causados pelos episódios de preconceito que praticamente todos
enfrentam. Para elas, é preciso encontrar outros pontos de conexão que permitam
criar uma comunidade que experimente a esperança, coragem e união ao invés da
humilhação, vergonha e tristeza.
O livro coloca em evidência situações
que afligem especificamente pretos e pretas, como o fardo de representar toda a
sua raça em cada ação e fala, justamente porque muitas vezes são sujeitos
únicos nos lugares que ocupam, seja no ambiente profissional ou na convivência
social. Esta imposição é experimentada desde a infância e produz adultos
imersos em autocobranças, que dificilmente praticam a auto generosidade e
autodeterminação.
Outro ponto de tensão que também produz
sofrimento para os negros é a “obrigação” de ocupar espaços historicamente
negados pelo legado colonial brasileiro. Apesar de extremamente importante,
este movimento implica na perda da autonomia para estabelecer propósitos
individuais e reconstruir o senso de comunidade. E mesmo no “topo”, ainda é
preciso enfrentar as violências que se renovam e nem sempre são facilmente
reconhecíveis.
No processo para elucidar as origens do
desalento mental desta população, Bárbara e Francinai analisam os impactos
negativos da romantização do amor e dos relacionamentos. Isso porque a ideia
que temos hoje de romance foi construída por meio de um viés de branquitude:
coloca os corpos negros no lugar de “não-desejados” ou “não-ideais” e aponta as
pessoas brancas como o padrão a ser desejado sexual e romanticamente.
Saber de Mim faz ainda uma crítica à maneira como a
saúde mental de negros e negras é tratada em clínicas e consultórios. As
pesquisadoras defendem que a suposta neutralidade da escuta em psicologia
reproduz violência e silenciamento. Para elas, é incabível que profissionais da
área mantenham o posicionamento de que “sofrimento não escolhe raça” porque o
pertencimento racial é fundamental para a estrutura da subjetividade, linguagem
e posição no setting terapêutico.
Ficha técnica
Livro: Saber de Mim - Autoconhecimento em
escrevivências negras
Autoras: Bárbara Borges e
Francinai Gomes
Editora: Almedina Brasil,
selo Edições 70
ISBN: 9786554270625
Páginas: 202
Formato: 16x23x1
Preço: R$ 59,00
Onde encontrar: Almedina Brasil | Amazon
Sobre as autoras
Bárbara
Borges
é natural do Recôncavo Baiano e graduanda em psicologia pela Universidade
Federal da Bahia. Pesquisadora na área de efeitos psicossociais do racismo e
estudiosa no campo de saúde mental da população negra. Escreve na página Pra
Preto Ler e fundou o projeto Pra Preto Psi, conectando pessoas negras
profissionais de psicologia que exercem clínica racializada em todo o Brasil.
Francinai Gomes, nascida no interior da
Bahia, é graduanda em psicologia pela Universidade Federal da Bahia. Além de
pesquisadora na área de adoecimento mental da população negra e carcerária, a
estudiosa se dedica principalmente à elaboração de escrevivências negras. É
fundadora do projeto Pra Preto Psi e escritora na Pra Preto Ler, onde une
conhecimento científico às experiências cotidianas.
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Sobre a editora
Fundada em 1955, em
Coimbra, a Almedina orgulha-se de publicar obras que contribuem para o pensamento
crítico e a reflexão. Líder em edições jurídicas em Portugal, a editora publica
títulos de Filosofia, Administração, Economia, Ciências Sociais e Humanas,
Educação e Literatura. Em seu compromisso com a difusão do conhecimento, ela
expande suas fronteiras além-mar e hoje traz ao público brasileiro livros sobre
temas atuais, em sintonia com as necessidades de uma sociedade em constante
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