“Essa
história de minha vida não tem começo e nem tem fim. Ela começa por acaso e não
tem fim, porque depois de morto, a minha história continua, pois ela está
ligada a tudo e a todos”.
É dessa forma que o escultor, pintor e desenhista Raphael Galvez
(1907-1998) introduz sua Autobiografia, escrita dez anos antes de
sua morte. Publicada pela editora Martins Fontes, a obra, com 272 páginas, será
lançada no dia 23 de
novembro, no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo).
Embora
já tivessem sido divulgados alguns trechos dessa Autobiografia nos três livros anteriores, que
retratam a trajetória e trabalhos do artista, essa é a primeira vez que se faz
uma publicação completa de sua história.
Organizada
por José Armando Pereira da Silva, a obra é dividida em 25 capítulos que trazem
as memórias e confissões de Galvez, evidenciando a candura do seu protagonista.
“Quando o Orandi Momesso me confiou a tarefa de prepará-la e me passou as 356
páginas, entrei logo na leitura e me envolvi nesse fluxo que, além de revelar
uma vida dedicada à arte e um caráter que se expõe com desarmadoras franqueza e
simplicidade, evoca flagrantes, lugares e personagens que compuseram a trama
viva de uma época”, explica José Armando.
Com
um texto simples, a autobiografia de Galvez é um documento que acentua a
dimensão relacional de sua vida. Não é a história apenas do artista, e sim de
uma pessoa, do ser humano que era Galvez. É um testemunho de relações sociais
em que ele se apresenta como um aprendiz da arte, face a outros contemporâneos
do ciclo que frequentava ou, talvez, almejasse. “As figuras que aparecem nas
histórias de minha vida são os marcos do meu relacionamento com o meio em que
vivi”, escreve Galvez em um dos trechos.
A
publicação da Autobiografia,
que estava sob a guarda de Orandi Momesso, aporta novos elementos para a
narrativa histórico-crítica da carreira de Raphael Galvez, que guardam a
autenticidade e sinceridade de sua própria voz. Nas palavras de José Armando
Pereira, “não é a voz de um erudito, mas reflete a vivência, em tempos e
circunstâncias determinadas, de um homem de caráter reto e puro, consagrado
inteiramente à arte. Ele alcançou aquele estágio em que se desmancham os
limites ou separação entre o ofício e a vida – isso que na vida religiosa se
chama de vocação.”
Para
falar sobre essa vocação e como ela responde a um momento histórico da arte
brasileira, José Armando convidou o escritor e sociólogo José de Souza Martins
que aceitou prefaciar a autobiografia. Martins, que já nutria uma admiração
pelo artista quando escreveu sobre “Os anjos do operário Galvez” em sua
coletânea de crônicas O
coração da pauliceia ainda bate (Imprensa Oficial/Unesp, 2017),
ampliou sua análise abordando a posição representada por Galvez e assinalando
os significados de sua obra no contexto do modernismo.
“No
clima de celebrações do centenário da Semana de Arte Moderna e de justa
exaltação da criativa minoria que protagonizou o advento e a disseminação do
Modernismo em São Paulo, a Autobiografia de Galvez ganha a significativa
importância que podem ter suas revelações na comparação que possamos fazer com
a biografia de outros artistas com os quais o artista conviveu como Volpi,
Tarsila do Amaral e Flávio de Carvalho. Não só pelas peculiaridades de sua
obra, mas também pelo singular da relação entre sua biografia e sua arte”, ressalta
José Martins. “Suas esculturas, pinturas e desenhos são as evidências mais
significativas de que a renovação da arte, entre nós, dependeu muito da
prontidão criativa de gente, como ele, capaz de compreender e viabilizar as
necessidades expressionais de uma época convulsionada da história, prenhe de
carência do novo”, conclui o escritor.
No
livro, a reprodução das esculturas e pinturas seguem fielmente a escolha de
Galvez, indicando a vontade de destacar os trabalhos mais significativos de sua
carreira. “Procuramos manter a maioria das ilustrações sugeridas por Galvez na
forma dos originais, com os comentários feitos por ele. São reproduções de
obras clássicas – especialmente esculturas – que ele via como fontes de
inspiração”, ressalta José Armando.
Para
além das histórias de uma vida e reproduções de suas principais obras, Galvez
também se apresenta como um inspirado escritor e seus escritos evidenciam o ser
humano e artista que ali estava. Entre versos e epígrafes, ele revela:
“Como
é bom ter a tranquilidade de poder errar
A
única esperança de conseguir acertar
E
conquistar a capacidade de se libertar
E
nunca inibido ou complexado ficar.”
O
lançamento do livro acontece no dia 23 de novembro, no MAM (Av. Pedro Álvares
Cabral, s/n°), e contará com a participação de Mayra Laudanna, docente do Instituto de
Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo e autora da coletânea Raphael
Galvez (1907-1998), do curador e crítico de arte Tadeu Chiarelli, do
escritor e sociólogo José
de Souza Martins, de José
Armando Pereira da Silva, organizador da obra, do artista e
pupilo de Galvez, Hélio
Schonmann e de Orandi
Momesso, idealizador do projeto e guardião do acervo deixado
pelo artista.
O
artista
Raphael
Galvez passou grande parte da sua vida dividido entre as pinturas, desenhos e
esculturas que realizava por puro prazer, e as esculturas tumulares e projetos
para monumentos, que lhe rendiam dinheiro para o sustento próprio e de seus
irmãos.
Acolhido
pelo Grupo Santa Helena, associação de artistas fundado em 1934, Galvez foi
parceiro de ateliê de Mário Zanini. O pintor construiu sua obra a partir dessa
experiência, que o levou a aplicar-se em intermináveis sessões de modelo vivo e
a observar com curiosidade as variadas manifestações artísticas realizadas pela
cidade.
Em meados dos anos 1950, seu trabalho foi integrado a duas mostras panorâmicas:
50 anos de paisagem brasileira, apresentada no Museu de Arte Moderna por Sérgio
Milliet, e Exposição do Retrato Moderno, montada no Parque Ibirapuera. Neste
momento, suas obras foram exibidas junto não apenas às do Santa Helena, mas às
dos modernistas - o que marca um inequívoco reconhecimento de seu trabalho pelo
circuito e pela crítica.
A
partir da década de 1960, Galvez passa a viver em prolongado recolhimento, ao
dar depoimentos sobre seus contemporâneos e participar de mostras dedicadas aos
anos de 1940.
O
artista ganhou uma série de exposições próprias retrospectivas. A mais extensa
delas, que contou com a curadoria da historiadora Vera D’Horta, ocorreu em
1999, no ano seguinte ao de sua morte, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Título: Autobiografia
Autor: Galvez, Raphael
Organização: José Armando Pereira da Silva
Prefácio: José de Souza Martins
Editora: Martins Fontes (272, páginas)
Ano: 2022
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