(*) Maria Emília Rodrigues
O reality show Big Brother
Brasil é um fenômeno midiático capaz de suscitar inúmeros debates na esfera
pública, tornando-se inclusive objeto de análise de diferentes áreas do
conhecimento. Ainda que muitos ignorem ou mesmo desprezem esse tipo de atração
televisiva, é inegável seu sucesso e poder de mobilização em torno das votações
de seus participantes e das polêmicas geradas no confinamento que muitas vezes
extrapolam o mero entretenimento.
A
atual 21ª edição tem sido extremamente bem-sucedida em audiência televisiva,
engajamento na internet e assinaturas via plataforma de streaming. A fórmula do
sucesso está na escolha do elenco e da narrativa que se criou em torno dele.
Pela segunda vez, junto aos anônimos, há participantes famosos conhecidos pelo
grande público, em repercussão tamanha que é difícil ignorar o que está
acontecendo mesmo sem assisti-lo.
Também
é a primeira vez que houve proporcionalidade no elenco em termos de cor/etnia,
com metade composta por pretos e pardos. Mais do que uma questão numérica,
alguns desses participantes são engajados nas lutas raciais e de gênero, seja
através de seu posicionamento como artistas ou mesmo atuando diretamente em movimentos
sociais. A inédita visibilidade da pauta racial gerou expectativa por parte do
público – o que para muitos foi frustrada logo nas primeiras semanas.
Nas
redes sociais, passou-se a comentar sobre como a edição estava pesada, ao ponto de um dos
participantes desistir após sofrer uma série de humilhações. Mais do que o
necessário debate sobre os limites do entretenimento, extrapolando a
problemática do que ocorria no interior da casa, foi apontada uma suposta
hipocrisia e oportunismo por parte da militância do movimento negro, tanto que
apologistas do “racismo reverso” passaram a sentenciar: ali estaria a prova
incontestável de que ele existe.
Ou
seja, as atitudes de alguns dos confinados (principalmente da rapper Karol Conka) foram
utilizadas para invalidar e até debochar de movimentos sociais importantes, ou
mesmo de qualquer discurso que se levante em prol dos direitos das minorias.
Recentemente, o cantor sertanejo Rodolffo, após uma brincadeira comparando o
cabelo de um participante negro com uma peruca, foi defendido por boa parte do
público, enquanto o alvo do comentário foi criticado por ter se incomodado,
acusado de “vitimista”. O episódio levou o próprio apresentador do programa a
se manifestar sobre o significado do black
power.
Assim,
o BBB se tornou uma espécie de mundo alternativo, em que negros oprimem outros
negros e brancos, representando um Brasil completamente desconectado da
realidade – mas que para muitos é o reflexo dela. É aí que repito dois pontos
já mencionados, e cruciais: a escolha do elenco (uma seleção extremamente
rigorosa) e a criação de narrativas (planejada conforme o que se pretende
contar).
De
certa forma, há uma espécie de roteirização que contraria a pretendida
espontaneidade de um reality
show, pois também há intervenções da direção e outras situações
criadas para gerar estresse e conflitos. O que não justifica qualquer tipo de
conduta dos confinados, há situações que fogem do controle da produção. No
entanto, é bem claro o desejo de uma edição polêmica justamente em torno do
debate sobre questões raciais.
Mas
se a emissora planejou o cenário ou não, pouco importa. A questão é que temos
um programa de alta repercussão e que presta notável desserviço. Ironicamente,
ao inverter a realidade brasileira – em que negros empoderados são exceção e
não regra – escancara o quanto o país ainda é racista. O que se comprova pelos
debates equivocados e manifestações de ódio nas redes sociais, pela
relativização da piada ofensiva, e pelo índice recorde de rejeição de Karol
Conká, eliminada com a maior porcentagem da história do programa.
(*)
Maria Emília Rodrigues é Mestra em Sociologia e Professora da área de
Humanidades, do curso de Sociologia do Centro Universitário Internacional
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