Por Layla Vallias
A série Segredos
de um centenário mostra que nas últimas três décadas o número de
pessoas que passaram dos 100 anos aumentou, no mundo, cerca de dez vezes. Para
investigar a fórmula ideal dessas sociedades com alto índice de pessoas
longevas, a produção do documentário viajou a países como Costa Rica, Cuba,
Grécia, Estados Unidos, Itália, Japão e Rússia para entrevistar gerontólogos,
biólogos, fisiologistas, imunologistas e, claro, aqueles que esbanjam vitalidade
em uma longa e profícua existência. Mas, qual é a maneira de conseguir uma vida
estendida e com saúde? Embora não haja uma receita, um ponto em comum nesses
prateados é a satisfação com a própria vida. A palavra felicidade foi, por
diversas vezes, proferida pelos entrevistados para classificar a alegria de
estar mais tempo vivo. À medida que o telhado branco avança no mundo, mais
aguçada fica a nossa curiosidade sobre como viver mais, melhor e ser mais
feliz.
As
ciências humanas e biológicas têm se dedicado a investigar os gatilhos e a
relação entre satisfação e longevidade. A pesquisa Economia do Mal-Estar: Novos Olhares para uma Sociedade
Cansada, conduzida pelo Grupo Consumoteca, aponta que 58% da
população brasileira se declara pouco ou nada satisfeita com a vida; 41% sentem
que não estão fazendo o que podiam para ser felizes. O estudo revela que o
índice de insatisfação do brasileiro é o mais elevado entre a América Latina.
As fontes de angústia residem nas dimensões financeiras e profissionais, ou
seja, 57% acreditam que precisarão reinventar a carreira nos próximos anos e
80% apontam que possuem um projeto que não conseguem tirar do papel.
Na
análise do economista David Blanchflower, professor da universidade
norte-americana Dartmouth College e ex-membro do Comitê de Política Monetária
do Banco da Inglaterra, a pesquisa realizada em 134 países – publicada pelo
Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos – mostrou que
existe uma “curva da felicidade em formato U”. O sentimento está mais presente
aos 20 anos, quando as frustrações da vida adulta ainda não alcançaram o
indivíduo; por volta dos 40 e 48 anos, ele começa a ficar reduzido. Com a
chegada dos 50 anos, a felicidade passa a ser maior e mais completa. No Brasil,
onde o mapeamento também foi feito, a felicidade chega mais cedo, por volta dos
40 anos, de acordo com esse mapeamento.
Segundo
a antropóloga Mirian Goldenberg, que liderou a pesquisa “Corpo, Envelhecimento
e Felicidade” com 5 mil brasileiros, de 18 a 96 anos, a curva da felicidade –
classificada pela pesquisa norte-americana – apresenta como padrão comum um
elevado nível de alegria entre as pessoas mais jovens e as mais velhas. “As
mais infelizes estão entre 40 e 50 anos, ou seja, a felicidade está presente no
início da vida, começa a diminuir ao longo dos anos, chegando ao ponto mais
baixo em torno dos 45 anos, depois começa a subir”, afirma. Mirian acrescenta
que também encontrou uma curva entre as mulheres brasileiras que pesquisa há
mais de três décadas. “As que têm entre 40 e 50 anos são as que se sentem mais
insatisfeitas e exaustas; elas reclamam de falta de tempo, de reconhecimento e
liberdade. Elas pertencem à ‘Geração Nem-Nem’ – nem jovens, nem velhas. A ótima
notícia é que tudo começa a melhorar depois dos cinquenta anos; a curva da
felicidade começa a subir”, conta a autora do livro Liberdade, Felicidade & Foda-se!
As mudanças no cérebro, também, dão
indícios dessa relação entre felicidade e idade. No livro The happiness curve: why life gets
better after midlife (em livre tradução, “A curva da felicidade:
por que a vida fica melhor depois da meia-idade), o pesquisador Jonathan Rauch
– do centro de estudo Brookings Institution, em Washington – identificou que o
órgão passa por mudanças ao longo do envelhecimento humano; essa transformação
faz com que nos concentremos, cada vez menos, na ambição. Em contrapartida,
passamos a focar mais nas conexões pessoais. Ele defende que essa mudança,
embora saudável, gera uma transição desagradável; aos 40 anos, por exemplo, o
indivíduo enfrenta uma quebra de expectativas que tem origem, de acordo com o
autor, na juventude com um certo erro de prognóstico. Os mais velhos passam a
ter a favor uma maior habilidade para lidar com as próprias emoções.
Em
entrevista para o jornal The
Guardian, Rauch – que usou a pesquisa de Blanchflower como base
para o livro – conta que quando fez 40 anos caiu na estagnação e não tinha
ideia do motivo. “Esqueça o ditado que diz que a vida começa aos quarenta, pois
é para os cinquenta que devemos olhar. O mais surpreendente é que a idade tende
a trabalhar em favor da felicidade, em igualdade de condições. O mais estranho
é que a crise da meia-idade geralmente não envolve nada, ou seja, é uma espiral
de descontentamento que se alimenta de si mesma”, reflete o escritor e
jornalista, acrescentando que ocorre não porque há algo errado na vida, no
casamento, na mente ou na saúde mental. Hoje, próximo dos 60 anos, afirma que
se sente mais grato por sua vida e muito mais feliz.
Como pesquisadora da Economia Prateada e entusiasta da
temática da longevidade, tenho me dedicado a investigar e ler os sinais dos
possíveis impactos desse fenômeno demográfico nas sociedades contemporâneas. E,
com muito otimismo, vejo que o telhado branco do mundo pode nos trazer – para
além dos desafios, que são inúmeros e reais – mais felicidade à medida que
favorece o nosso apaziguamento com o tempo.
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Layla Vallias é
cofundadora do Hype50+, consultoria de marketing especializada no consumidor
sênior e da Janno – startup agetech que tem como missão apoiar brasileiros 50+
em seu novo plano de vida. Foi coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre
Economia Prateada e Raio-X do público maduro no Brasil e diretora do Aging2.0
São Paulo, organização de apoio a empreendedores com soluções para o
envelhecimento em mais de 20 países. Mercadóloga de formação, com
especialização em marketing digital pela Universidade de Nova York, trabalhou
com desenvolvimento de produto na Endeavor Brasil.
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