NEGÓCIOS PRATEADOS | Bruxas contemporâneas: a nova revolução sexual das mulheres com mais de 60 anos
A
revolução feminina começa na intimidade”. A reflexão é de Marília Ponte,
empreendedora que criou uma das primeiras marcas brasileiras de vibradores; um
produto desenvolvido para e por mulheres. O Bullet Lilit nasceu com a missão de
ajudar uma nova geração de mulheres maduras a experimentar uma potência que
reside em cada uma delas. Esse olhar para o prazer feminino, quando pensamos em
mulheres com mais de 60 anos, permanece um tabu nas sociedades contemporâneas.
Uso o verbo permanecer, porque negar a satisfação sexual feminina é uma
constante histórica; o desejo delas sempre foi reprimido por estruturas sociais
de diferentes épocas. Quando conheci a proposta empreendedora de Marília,
imediatamente pensei em Lilith – que nas tradições hebraicas, babilônicas e
cristã é apontada como a primeira mulher; aquela que não se conformou com uma
posição de subserviência perante o masculino. Banida e, muitas vezes,
classificada como um demônio, ela é um arquétipo do feminino contemporâneo. Essa
foi, exatamente, a inspiração da fundadora da empresa.
Às
vésperas do Dia das Bruxas, dedico uma reflexão às mulheres que vieram antes de
mim; é como se eu quisesse honrar essa tradição, ressignificar a bruxaria e dar
nova voz às que morreram para que nenhuma de nós, nos próximos séculos, precise
se calar. As mulheres em chamas da Idade Média são a lembrança da
autodeterminação. Como nós, as bruxas das noites dos tempos remotos eram
emancipadas, sexualmente livres, parteiras e benzedeiras; amigas da vida e da
morte. Solteiras ou viúvas, eram uma ameaça ao controle e à autoridade da
Igreja Católica, que combatia esse feminino com ódio, violência e fake news. Acusadas de
causar o descontrole nos homens, de serem próximas do diabo e até de sequestrar
e assar crianças – vide o conto João
e Maria –, as bruxas são a imagem feminina da
resistência. Essa imagem, aliás, persiste no imaginário humano, mesmo
sabendo que se trata de uma narrativa falsa cujo objetivo sempre foi oprimir e
apequenar. Hoje, essa força feminina se manifesta em outros rostos e outras
vidas, na forma de mulheres maduras que enxergam dentro de si a identidade de
bruxas, inconformadas com as regras, resistentes ao lugar que insistem em
colocá-las (de somente avós!) e, acima de tudo, em busca de um lugar próprio
que transborda qualquer convenção social.
Alguns
estudiosos arriscam dizer que, durante a Santa Inquisição, 200 mil pessoas
foram mortas; outros chegam a contabilizar 9 milhões de acusados, julgados e
mortos, sendo a maioria, mulheres. Estou certa de que esses números configuram
o maior genocídio por gênero da história. Voltando à sexualidade livre – que
inspirou Marília Ponte –, essas bruxas passavam, de geração para geração,
uma postura de experimentar, na individualidade, a potência orgástica que
residia em cada uma delas. Longe da imagem de castidade, essas mulheres
escolhiam abdicar da vida religiosa para viver o próprio desejo e a
liberdade. Porém, foi principalmente nos últimos séculos dessa perseguição
que o controle de natalidade e a sexualidade sem fins de reprodução começaram a
ser demonizados. As penas para as que contrariavam esses preceitos eram as mais
cruéis.
A
perseguição era centrada em mulheres que viviam relações fora do casamento,
viúvas, ou ainda, mulheres em relações homoafetivas. Existia, com isso, uma
visão dominante de que a sexualidade feminina só poderia existir a serviço de
algo: do prazer masculino ou da reprodução. Séculos depois, a perseguição ainda
é realidade em muitos lugares do mundo. Mais de 200 milhões de garotas, entre a
infância e a idade de 15 anos, sofrem mutilação genital, segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Nesse
Dia das Bruxas, portanto, o meu convite é para que as mulheres vivenciem de
forma diferente esse Halloween.
Que tal dedicar tempo para refletir sobre a própria sexualidade? Esse é um
desafio que faço, especialmente para as mulheres com mais de 60 anos.
Enquanto mais de 90% dos homens afirmam atingir o orgasmo durante a relação
sexual, somente 39% delas relatam o mesmo. Vinte e três por cento das
brasileiras descrevem as últimas experiências sexuais como nada prazerosas;
para os homens, esse índice é de 5% – de acordo com o estudo O orgasmo incidental: a presença de
conhecimento clitoriano e a ausência de orgasmo para as mulheres.
A
ciência levou dois mil anos para conhecer a real estrutura do complexo do
clitóris, antes conhecido como “teta do diabo” – uma prova incontestável de que
as mulheres com glandes mais longas eram bruxas destinadas às fogueiras. Então,
em 2020, vamos nos rebelar contra toda e qualquer opressão ao prazer feminino?
Em 30 de outubro, às 19 horas, vou participar de uma live no YouTube de As Perennials, acompanhada
de Marília Ponte, fundadora da Lilit; e da especialista em bruxas Isabelle
Anchieta. As anfitriãs serão Natália Dornellas e Fernanda Ribeiro. Vou
representar a Maturiboss – meu novo canal de conteúdo para mulheres 50+ – e
vamos falar muito sobre o feminino e outras coisas mais. A bruxa que vive em
mim saúda a bruxa que vive em você. Feliz Dia das Bruxas, manas!
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Layla Vallias é
cofundadora do Hype50+, consultoria de marketing especializada no consumidor
sênior e da Janno – startup
agetech que tem como missão apoiar brasileiros 50+ em seu novo plano de vida.
Foi coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre Economia Prateada e Raio-X
do público maduro no Brasil e diretora do Aging2.0 São Paulo, organização de
apoio a empreendedores com soluções para o envelhecimento em mais de 20 países.
Mercadóloga de formação, com especialização em marketing digital pela
Universidade de Nova York, trabalhou com desenvolvimento de produto na Endeavor
Brasil.
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