À luz da pandemia, a crise no mercado dos influenciadores e a ascensão da criatividade das "pessoas comuns"
No
estudo dos novos cenários socioculturais e de vanguarda é natural enxergar o
impacto de grandes eventos no comportamento humano, sobretudo as respostas
dadas pelas sociedades e pelo indivíduo aos contextos de medo e incertezas.
Hoje, vivemos um momento ímpar e, ao mesmo tempo, propício para analisar o que
será esse porvir. Gostaria de propor, para essa reflexão, um recorte específico
sobre a produção de conteúdo e o papel da criatividade nesse contexto; examinar
como ambos dialogam com o espírito do tempo.
Um
ponto de partida para essa análise é o relatório The Future 100: 2020, conduzido pela JWT
Intelligence, que ganhou uma edição complementar à luz da pandemia. Lançado
originalmente em janeiro deste ano, o report
– nessa versão revisitada, apresentada recentemente – aponta 25 tendências que
foram aceleradas, amadurecidas, intensificadas ou que surgiram na esteira da
Covid-19. Esse mapeamento é um importante norteador de mudanças das demandas e
dos comportamentos emergentes do consumidor. Em um dos capítulos, o exame sobre
o surgimento de linguagens autorais nas redes sociais me chamou a atenção. Ou
seja, como resposta ao medo e às incertezas, emergem vozes que passam a ser o
território de creators
– não de influenciadores que se pautam em exibir somente o próprio lifestyle.
O
relatório defende que, em uma conjuntura na qual a criatividade digital está em
alta, uma das personasrepresentadas
pelos supercriativos são os adolescentes – que estão mapeando um novo
território de expressão digital e artística, utilizando um arsenal de
plataformas criativas como Snapchat e TikTok. O que vemos é que com tantas
pessoas confinadas em casa, novas estratégias de criação surgem como resposta
ao momento; um movimento supercriativo que permeia gerações e que envolve
diversos setores. A constatação é que a criatividade está florescendo na
quarentena e no período de distanciamento social. Como evidência, a pesquisa
apresenta o aumento de inscrições na Virtual
Art Academy, que cresceram cinco vezes em março de 2020 em
comparação com os 12 meses anteriores; o resultado foi apontado pelos gestores
da escola como “um salto drástico na história de 13 anos da academia”.
Uma
outra evidência dessa movimentação está na iniciativa da Apple: em abril, a
empresa lançou um anúncio, mostrando que a “criatividade continua apesar dos
bloqueios”. O que representa esse tipo de movimentação? Que artistas e marcas
são peças fundamentais para uma espécie de resistência; eles fazem um convite
para que as pessoas criem e ingressem em comunidades artísticas. No mesmo mês,
a grife Gucci convidou criativos como Elton John, Dakota Fanning e Jane Fonda
para publicar conteúdo original nos canais da marca como um esforço para
estimular a criatividade. Em outra iniciativa, a Dazed lançou a #AloneTogether
– uma comunidade criativa em tempos de crise. E cabe ressaltar o papel da
tecnologia que mantém as pessoas conectadas sem expô-las a riscos; na prática,
os dispositivos são verdadeiras saídas criativas. Não é difícil perceber o
quanto isso impacta as relações de consumo no planeta.
Um
ponto importante trazido pelo The
Future 100 é o surgimento de um movimento migratório geracional. Ou
seja, a criatividade não é uma habilidade exclusiva da Geração Z ou da alta
renda; o relatório aposta para uma popularização da criatividade com uma
distribuição etária e, também, social. “A pandemia diferencia o influenciador
do criador; entre os que criam pautas relevantes e os que ficam sem assunto”,
afirma Yheuriet KaliL, CEO da agência Moisaco, um dos participantes do painel Novos papéis dos influenciadores
digitais, que integra o CriAtivar – 1º Festival Internacional Santista de
Criatividade, Inovação e Sociedade. Há uma ressignificação
do glamour, diante de um momento tão extremo como esse contexto de pandemia.
No
CriAtivar, o painel Novos
papéis dos influenciadores digitais – que acontece em 24 de
setembro, 20h30, com transmissão pelo Facebook – vai abordar que, em um cenário
anterior, para o creator (influenciador
de conteúdo) ter números volumosos para mostrar aos potenciais clientes era o
suficiente para dimensionar o potencial de um post, anúncio ou publipost produzido por ele.
Com a pandemia, o lifestyle
aspiracional (viagens luxuosas, objetos caríssimos, espaços vips em festivais, roupas ou
acessórios inacessíveis) passou a não fazer mais tanto sentido. A crescente
preocupação com a sobrevivência a um vírus pouco conhecido, as incertezas
econômicas, a crise sanitária, as mortes e a doença fizeram com que as pessoas
conclamassem o momento com sendo o fim da “Era da Influência” como a
conhecemos. Com mediação do publicitário Mateus Ramos, e participação de Edu K
(músico e produtor musical) e a black
influencer Victoria Nicolau (modelo e DJ), o bate-papo pretende
lançar novos olhares para a tendência por meio do diálogo de pessoas que são
potências criativas.
|
Mariana Nobre, gestora do Atelier do Futuro. Pesquisadora e curadora de novos
cenários culturais e de vanguardas; trabalhou em bureaus de inovação e tendências como Voltage,
The Future Lab, Box 1824 e LiveAd. Especializada em Semiótica Psicanalítica,
Clínica da Cultura, Semiótica e Psicanálise pela PUC-SP, estudou Tendência no
Istituto Europeo di Design (Cool Hunting) e Filosofia na Universidade de São
Paulo (USP).
Comentários
Postar um comentário