Questões históricas, raciais e sociais são destacadas no programa
O
Caminhos da Reportagem
que a TV Brasil
exibe neste domingo (21), às 22h, aborda o tema “O Trabalho Invisível de
Cuidar”. Durante a edição inédita,
a atração jornalística da emissora pública traz à tona questões históricas,
raciais e sociais, que perpetuam essa lógica de que o trabalho do cuidado deve
ser exercido de forma gratuita, por mulheres, majoritariamente negras.
Ana
Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), afirma
que essa situação é resquício dos tempos de escravidão. Um estudo do Ipea,
realizado em 2014, estimou que o trabalho exercido gratuitamente de cuidados
com idosos dependentes, caso fosse remunerado, geraria cerca de 1 bilhão de
reais ao ano.
Nessa
mesma linha, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no ano passado,
mostrou que o trabalho de cuidado, exercido majoritariamente por mulheres, caso
remunerado, somaria 13% ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Quanto
à variante histórica, Maíra Liguori, diretora das organizações Think Olga e
Think Eva, lembra que as mulheres negras cuidam desde a fundação do Brasil
colonial. “Elas estavam ali como pessoas que cuidavam da casa grande, dos
filhos dos seus senhores, dos seus próprios filhos - quando isso não lhes era
negado. Elas eram as parteiras, as benzedeiras, as curandeiras. Todas essas
atividades foram colocadas como uma atribuição das mulheres negras e
impossibilitou, inclusive, que essa parcela da população pudesse ser inserida
na economia formal e ascender profissionalmente”.
Liguori
afirma ainda que as mulheres negras têm pouco acesso a vagas de emprego, que
normalmente exigem muitas horas de dedicação. Como elas precisam, muitas vezes,
se dedicar aos trabalhos de cuidado, não conseguem quebrar o ciclo de pobreza.
“Quando a gente fala sobre mulheres negras, tem um agravante do racismo porque,
muitas vezes, as posições de melhor remuneração são negadas a essas pessoas”.
Cuidados
O
trabalho do cuidado abrange múltiplas funções na nossa sociedade e, como
explicam as especialistas, é um trabalho essencial para a perpetuação da vida
no planeta. Não se trata apenas do cuidado com filhos pequenos ou idosos
dependentes.
“Trabalho
doméstico é limpeza, fazer comida, cuidar de doentes, cuidar de familiares
idosos com demências ou qualquer outro tipo de deficiência, cuidar de criança,
adolescente, levar para escola, tirar da escola, levar para o médico, pensar o
lazer, planejar férias, acompanhar a criança em estudo, administrar o orçamento
da casa para poder pagar os remédios, etc. Então as mulheres fazem um trabalho
invisível gigantesco. E muitas vezes nem têm noção do conhecimento que
possuem”, afirma Cosette Castro, psicanalista e pesquisadora.
Cosette
é também uma das coordenadoras do Coletivo Filhas da Mãe, uma organização
criada em dezembro de 2019 por cuidadoras familiares de pessoas com demências.
Ela é filha única e cuidou de sua mãe, que teve Alzheimer, e defende a
importância do reconhecimento e do pagamento do trabalho do cuidado.
“No
que diz respeito às cuidadoras, nós queremos uma Bolsa Cuidado. Cuidado
familiar é trabalho. Não é só amor. E quando a gente diz que é amor, a gente
está fazendo alguém trabalhar gratuitamente e não temos nenhum amor por essa
pessoa. Então nós queremos do governo uma Bolsa Cuidado. Para se ter uma ideia,
nós temos pessoas no Coletivo que estão acompanhando o pai ou a mãe há 24 anos.
Essa pessoa parou de estudar, ela parou de trabalhar. Ela parou a vida. Então
ela tem que ser remunerada por isso”, diz.
Essencial
Ana
Amélia Camarano explica que a sociedade precisa entender que, sem esse
trabalho, a vida não acontece. “Se você não cuida de um idoso, de um doente, de
um deficiente acamado, por exemplo, não dá comida, não faz a higiene, essa
pessoa morre. Então é fundamental para a reprodução da vida. E esse cuidado
envolve um valor econômico, um custo. Envolve afeto, envolve reciprocidade,
envolve culpas, obrigações”.
Isabela
Duarte Kelly, economista da FGV, explica como o tempo gasto com os cuidados
dificulta a entrada das mulheres no mercado de trabalho. “Essas mulheres acabam
tendo que se equilibrar entre o trabalho remunerado e o trabalho não
remunerado. O resultado disso é que estão em duplas, triplas jornadas, o que
acaba sendo prejudicial ao bem-estar delas. Elas deixam de estar no mercado de
trabalho, então não recebem salários, que poderiam utilizar na compra de bens e
serviços, contribuindo para a economia do país. Ficam dentro do lar, realizando
essa tarefa que é essencial, mas que infelizmente não é valorizada”.
O
termo “Geração Sanduíche” vem sendo utilizado para descrever pessoas que estão
entre duas gerações que precisam de cuidados. Maíra Liguori explica que é uma
geração de mulheres que estão tendo filhos mais tarde, enquanto os pais já
estão precisando de cuidados. “Então é um momento da vida dessas pessoas com
uma dupla carga de cuidado, por estar estarem sustentando os cuidados de duas
gerações, a anterior e a de seus descendentes”.
É
o caso de Maíla Silene Ferreira de Menezes. Aos 35 anos, ela se divide entre os
cuidados com a mãe, que tem 65 anos e está acamada, e com seus dois filhos.
Para poder cuidar da mãe que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), e sem
recursos financeiros para pagar uma cuidadora, Maíla se viu obrigada a sair do
mercado de trabalho e abandonar os estudos.
“Eu
estava fazendo um curso no Instituto Federal de Brasília (IFB) e desisti
porque, realmente, pra mim não dava. Eu pensei que ela podia melhorar logo,
então eu voltaria. Mas até hoje eu não consegui. Quem sabe uma hora eu consiga
voltar a estudar”, conta Maíla.
Política Nacional de Cuidados
Laís Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família, explica que o atual
governo está desenvolvendo uma Política Nacional de Cuidados (PNC), tanto para
quem precisa ser cuidado, quanto para quem cuida. O cuidado é visto como uma
necessidade de todas as pessoas, como um direito e como um trabalho feito
cotidianamente no país.
“O
presidente (Luís Inácio Lula da Silva) avaliou que falta uma política mais
integrada e que, inclusive, os serviços hoje existentes não são capazes de
responder a uma crescente demanda por cuidados que está associada, em parte, ao
processo de envelhecimento da população”, afirma Abramo.
Maíra
Liguori alerta que, apesar da elaboração dessa política, existe a preocupação
com a urgência do assunto. “Eu não sei se a gente vai ter tempo (de implementar
a PNC) porque essa evolução da pirâmide etária do Brasil está sendo muito
rápida. Na próxima geração, vamos ter uma inversão da pirâmide. Muito mais
pessoas idosas do que jovens e isso implica necessariamente uma crise de
cuidado. A gente não tem um contingente para dar conta das necessidades de
cuidado dessas pessoas mais velhas”.
Abramo explica, ainda, que uma preocupação do grupo de trabalho é levar em
conta o recorte racial. “Essa discussão das políticas de cuidado está, desde a
sua origem, muito associada a discussão das desigualdades de gênero. Aqui no
Brasil, na nossa política, a gente está dando um olhar muito especial para a
questão racial porque em todos os indicadores que a gente está analisando,
sempre a situação das mulheres negras é pior. Então a gente diz que o trabalho
de cuidados no Brasil não é apenas feminizado, ele é profundamente
racializado”.
Ficha técnica
Reportagem: Marieta Cazarré
Apoio à reportagem: Ana Passos, Maura Martins e Carina Dourado
Produção: Claiton Freitas
Apoio à produção: Patrícia Araújo
Reportagem cinematográfica: Rogério Verçosa
Apoio à reportagem cinematográfica: André Pacheco, Sigmar Gonçalves, Rodolpho
Rodrigues, João Marcos Barbosa e Sandro Tebaldi
Auxílio técnico: Marcelo Vasconcelos
Apoio ao auxílio técnico: Rafael Callado, José Mota, Caio Araujo e Ivan Meira
Edição de texto: Marieta Cazarré
Edição e finalização de imagem: Rivaldo Martins e Márcio Stuckert
Arte: Caroline Ramos e Alex Sakata
Sobre o programa
Produção jornalística semanal da TV Brasil, o Caminhos da Reportagem leva o
telespectador para uma viagem pelo país e pelo mundo atrás de grandes
histórias, com uma visão diferente, instigante e complexa de cada um dos
assuntos escolhidos.
No ar há mais de uma década, o Caminhos da Reportagem é uma das atrações
jornalísticas mais premiadas não só do canal, como também da televisão
brasileira. Para contar grandes histórias, os profissionais investigam assuntos
variados e revelam os aspectos mais relevantes de cada pauta.
Saúde, economia, comportamento, educação, meio ambiente, segurança, prestação
de serviços, cultura e outros tantos temas são abordados de maneira única,
levando conteúdo de interesse para a sociedade pela telinha da emissora
pública.
Questões atuais e polêmicas são tratadas com profundidade e seriedade pela
equipe de profissionais do canal. O trabalho minucioso e bem executado é
reconhecido com diversas premiações relevantes no meio jornalístico.
Exibido aos domingos, às 22h, o Caminhos da Reportagem disponibiliza as
matérias especiais no site http://tvbrasil.ebc.com.br/caminhosdareportagem
e no YouTube da emissora pública em https://www.youtube.com/tvbrasil.
As edições anteriores também estão no aplicativo TV Brasil Play, disponível nas
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Ao vivo e on demand
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Serviço
Caminhos da Reportagem – domingo, dia 21/04, às 22h, na TV Brasil
Caminhos da Reportagem – domingo, dia 21/04, para segunda-feira, dia 22/04, às
2h, na TV Brasil
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