Em entrevista, Margareth Tassinari, autora do romance utópico "Por um vaso de hortênsias", destaca que o preconceito é o principal obstáculo da vida em comunidade
Já imaginou uma
realidade igualitária, onde as desigualdades socioeconômicas não existem e o
sistema patriarcal não define as relações sociais? Margareth
Tassinari sonhou com essa
sociedade na infância, utopia que formou a base para a publicação de Por um vaso
de hortênsias décadas depois.
Por meio de personagens que protagonizam
um enredo sobre as conexões humanas, a escritora convida os leitores a
refletirem acerca das possibilidades de uma vida mais justa, onde o amor é o
principal fio condutor das relações e todas as pessoas têm os direitos
fundamentais garantidos. Embora eles vivam em uma cidade idealizada, os
protagonistas também formam um panorama dos conflitos sociais existentes no
mundo real.
Fora da ficção, a autora acredita que o
preconceito com ideais diferentes de viver, pensar e agir é um dos principais
obstáculos que impedem a coexistência pacífica em comunidade. Nesta entrevista,
ela conta como enxerga na literatura uma ferramenta de reflexão sobre mundos
possíveis. Confira na íntegra:
1. À
primeira vista, o título “Por um vaso de
hortênsias” sugere uma simbologia
significativa. Qual o significado por trás desse título e como ele se relaciona
com a história e os personagens?
Margareth Tassinari: As flores
simbolizam a beleza, a delicadeza, um alimento para a alma. Devem ser
cultivadas com cuidado para não perecerem. São utilizadas para perfumar e
enfeitar ambientes e frequentemente para presentear, homenagear e enternecer. No
livro, elas representam uma maneira de agradar e trazer felicidade às pessoas,
tal como a música, a leitura, a educação, a cultura, o lazer, as amizades, o
amor e as atividades familiares e sociais agradáveis.
Enquanto na segunda casa elas cumprem
principalmente uma função estética para garantir a beleza do premiado jardim,
na oitava casa cria-se uma relação de afeto com os vários tipos de flores que
os personagens ganham como presente, batizam e cuidam com zelo e carinho.
Refletindo um pouco, chego a pensar que até o jardim da Irina não cumpre só a
função de deixar sua dona orgulhosa de sua beleza, mas que talvez seja seu
jeito de agradar às pessoas que ela desacata tanto com palavras e gestos. Seria
uma bandeira branca, um aceno para que se aproximassem dela? Talvez a Dinorá
tenha entendido esses sinais e conseguido desenvolver laços de amizade com ela.
2. A
narrativa destaca a importância dos laços afetivos e do amor como elementos
centrais para a coexistência pacífica em comunidade, ao mesmo passo que oferece
uma crítica à construção da sociedade contemporânea. Você poderia comentar
sobre essa dicotomia?
Margareth Tassinari: Essa dicotomia é intrínseca às relações humanas. Enquanto
se luta para conquistar uma coexistência pacífica em sociedade, depara-se
frequentemente com a tendência das pessoas viverem cada vez mais apartadas de
seus vizinhos e amigos, relacionando-se com eles de modo distante, virtual e
pouco caloroso. Crianças e adultos transitando por um portãozinho no quintal,
jantares comunitários e atividades coletivas na rua e na praça parecem ser uma
realidade cada vez mais distante do estilo de vida atual, infelizmente.
3. Apesar
de retratar uma sociedade idealizada, o livro também traz personagens cruéis,
egoístas e complexos. Qual é a sua visão sobre a natureza humana e sua
capacidade de conviver em harmonia, mesmo em uma utopia?
Margareth Tassinari: Independentemente da estrutura social, as relações humanas,
em qualquer local e em qualquer tempo (por isso não os especifiquei), podem ser
bastante harmoniosas, mas também podem ser conflituosas, em função das
características de personalidade de cada um, ou devido a alguma situação
desfavorável, um contratempo, um infortúnio ou uma tragédia. Assim, aparecem o
amor, o carinho, o desejo, o afeto, a solidariedade, a amizade e a empatia como
os aspectos mais positivos dessas relações, misturados ao desamor, à inimizade,
ao ódio, à crueldade, à negligência, à vilania, às mentiras, à intriga e ao
ciúme, sentimentos indesejáveis para um bom convívio social, mas tipicamente
humanos.
Uma boa estrutura social que garanta que
todas as necessidades básicas sejam supridas, um excelente sistema educacional,
uma cidade segura, com muitas opções de lazer e entretenimento certamente
garantem melhor qualidade de vida para a população e podem ser usados como
indicadores do grau de felicidade de um povo, mas não conseguem interferir
diretamente nas relações humanas, seja no ambiente familiar, escolar ou social,
reduzindo ou eliminando os atritos e as animosidades. Desse modo, viver em
harmonia não é algo simples, mesmo em uma
sociedade utópica, com todos os direitos básicos garantidos. Brigas e conflitos
nunca deixarão de existir enquanto as relações estiverem presentes.
4. Você
menciona que a história reflete sobre os caminhos para a construção de uma
sociedade mais respeitosa e feliz. Na sua opinião, quais são os principais
obstáculos hoje para alcançarmos uma realidade mais próxima disso? E quais
seriam os primeiros passos para superá-los?
Margareth Tassinari: Os principais obstáculos para a construção de uma sociedade
mais respeitosa e feliz estão relacionados à prepotência das pessoas que julgam
que seu modo de viver, pensar e agir é o mais correto e o único aceitável como
possível ou o mais adequado. Quem não age de acordo com esses preceitos é
julgado, ridicularizado e banido do grupo.
Nos lares e nas escolas, a educação dos
pequenos modificaria bastante o quadro de não aceitação e preconceito contra o
diferente, seja por qualquer motivo. No trabalho, um recurso seria o
treinamento para que o funcionário de uma loja, de uma escola, de um hospital,
de qualquer serviço público ou privado atendesse de modo respeitoso e sem
preconceito qualquer pessoa, sem julgá-la, ridicularizá-la ou agredi-la pela
sua idade, suas vestimentas, sua aparência, sua posição social, sua cultura,
seus costumes ou suas crenças.
5. Por
fim, como autora, que impacto você espera que seu livro tenha na forma como as
pessoas pensam sobre suas próprias vidas e comunidades?
Margareth Tassinari: Espero que o livro nos ajude a repensar nosso modo de vida
atual e a promover pequenas mudanças de conduta para nos aproximar de um
vizinho ou familiar e, através da amizade, amor e solidariedade, tornar mais
leve o viver, reduzindo os conflitos e cultivando os bons sentimentos em
relação às outras pessoas, próximas ou não a nós. Seria bom que abríssemos ou
derrubássemos portõezinhos que nos afastam das pessoas. Seria bom que
levássemos uma flor, um doce ou uma palavra amiga para alguém que sofre, mesmo
que não fôssemos capazes de entender os motivos de seu sofrimento. Não nos cabe
julgar ninguém, só aceitar cada um do jeitinho que é.
Sobre a autora: Nascida
na cidade de Campinas, em São Paulo, Margareth Tassinari é fonoaudióloga
clínica. Também ministrou aulas no Centro Universitário São Camilo e na
Universidade São Francisco. Apaixonada por livros desde a infância e com
interesse particular pela literatura russa, agora explora o mercado literário
com o lançamento de Por um vaso de hortênsias, que marca sua estreia como escritora.
Redes sociais da autora:
Instagram: @margareth.tassinari.3
Facebook: Margareth Tassinari
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“Por
um vaso de hortênsias”
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