Por
Víktor Waewell*
Era
de amor a relação dos indígenas com a mata, principalmente antes da invasão
portuguesa. Falando assim, pode parecer romantismo, meio papo de maluco. Só que
não é. Sabe o lugar que marcou a sua vida? A casa da avó, o parquinho ou até a
lanchonete perto do trabalho?
Aí,
num dia, a casa é demolida. O parquinho, derrubado. E a lanchonete fecha. Não
vem um troço ruim, um sentimento de perda?
Agora,
imagina que você nunca viajou. A sua terra natal é o seu mundo. No cemitério,
estão todos que já morreram. Por perto, há o lugar onde brincou na infância.
Logo ali fica o morro em que você sobe para pensar. Tem o cantinho onde
namorava às escondidas. É uma relação muito intensa com o território. As
árvores, a montanha, o rio começam a parecer ter intenção. Os bichos e os
humanos se familiarizam, às vezes até se comunicam. O entorno ganha um caráter
espiritual.
Os
indígenas também tinham no mato a sua fonte de cura.
Suco
de maracujá para dormir. Unha-de-gato para infecção. Aroeira para pele e
inflamações. Guaraná para dar ânimo. Folha de coca alivia fadiga.
João-pé-de-galinha diminui o estresse. Quebra-pedra para acabar com pedra nos
rins. Jurema e ayahuasca para ganhar entusiasmo. Até tabaco, para ansiedade.
Este, chamado pelos portugueses de erva santa, foi descrito no século XVI pelo
padre Cardim como “uma das delícias desta terra”, embora percebesse os perigos
dela, registrando portugueses “perdidos por ela, com grande vício, dia e noite
deitados nas redes a beber fumo, como se fora vinho”.
Há plantas
medicinais nas nossas matas para todo tipo de males. Peçonhas, sarnas,
lombrigas, estômago, febre, dor de dente, baixa virilidade masculina e
feminina, e por aí vai. Sejam nas beberagens do congado ou nas garrafadas
nordestinas, são muitos os resquícios dessa cultura riquíssima herdada de
curandeiros indígenas.
Após
conquistar o território, os portugueses não demoraram a perceber o valor disso.
Jesuítas logo estabeleceram o monopólio da cura, já vigente na Europa, onde
pessoas que empregavam ervas, na maioria mulheres, acabavam queimadas em praça
pública como bruxas. No Brasil, temos o registro de 1556 de um xamã da região
de Rio Vermelho, em Salvador, preso por curar um doente de leishmaniose, a
mando do irmão Antonio Rodrigues. Os jesuítas estabeleceram grandes boticas
para reunir o poder das plantas, a mais famosa a botica da Bahia.
Uma
reviravolta veio em 1808, com a vinda da família real portuguesa. No Rio de
Janeiro, a nova sede do império, uma das primeiras ações do monarca foi a
criação do Jardim Botânico. É que, ao rei, interessava conhecer e possuir
plantas e sementes, até para o replantio em caso de pragas. O Jardim Botânico
nasceu como uma espécie de cofre. Menos de uma década depois, partiam grandes
expedições naturalistas Brasil adentro, com destaque para Auguste de
Saint-Hilaire, que reuniu 24 mil espécimes de plantas. O mato virou política de
estado.
Só
que, de lá pra cá, tivemos altos e baixos. Mais baixos.
A
Mata Atlântica começou a ser derrubada no final do século XIX para dar lugar ao
café. Hoje, 90% dela está destruída.
Nas
décadas de 1960 e 70, período da ditadura militar, foi a vez da Amazônia. Com
grandes obras e incentivos para exploração da floresta, já em 78, 14 milhões de
hectares estavam desmatados. Entre o assassinato de Chico Mendes e sucessivos
recordes de desmatamento, hoje são 110 milhões de hectares devastados, ou 20%
da cobertura original.
Neste
Dia Internacional das Florestas (21/03), acho que vale a pergunta, valeu a
pena? Estamos ficando ricos assim? Ou estavam certos aqueles povos originários
que gostavam das suas árvores de pé?
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Víktor
Waewell é
escritor, autor do livro “Guerra
dos Mil Povos”, uma história de amor e guerra durante a maior revolta
indígena do Brasil.
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