Por
Marcos Lima*
Em
setembro de 2018, o Museu Nacional, do Rio de Janeiro, sofreu um incêndio que
destruiu grande parte do seu vasto acervo etnográfico e cultural. Não foi mero
acidente: o local já sinalizava fragilidade em relação aos processos de
conservação predial, com falta de investimentos e de manutenção. O Museu
Paulista (popularmente conhecido como o Museu do Ipiranga) felizmente não
chegou a esse ponto. Fechou as portas antes que uma tragédia maior ocorresse.
Atualmente, o museu está fora de funcionamento (desde 2013), mas tem previsão
de abertura para 7 de setembro de 2022, com obras já bem avançadas, na
comemoração de seu bicentenário. É muito pertinente observar que esses dois
projetos, tão importantes para a conservação da história brasileira, só
ganharam notoriedade na sociedade devido à tragédia ou à iminência de uma.
As
duas instituições estão diretamente ligadas à história do nosso país e seus
acervos carregam o peso dessa tradição. O Museu Nacional, por exemplo, foi
criado em 1818 por Dom João VI e é o primeiro do Brasil. Ele nasceu para
propagar e desenvolver a ciência, arte, cultura e intelectualidade do país que
ainda era uma colônia. Até 2018, era possível encontrar matérias e documentos
do período joanino. O Museu Paulista marca o período da independência, com
grande acervo de objetos, mobiliário e obras de arte com importância histórica.
É nele que se encontra a famosa pintura “Independência ou Morte”, de 1888, do
artista Pedro Américo – certamente uma das obras brasileiras mais conhecidas.
Mas
se são tão importantes, por que há descaso na preservação desses locais?
Diversos fatores explicam isso, mas primeiramente não podemos negar o caráter
socioeconômico. Levantamento do IBGE em 2019 mostra que o gasto médio mensal,
relacionados às atividades culturais, de uma família de baixa renda no Brasil
corresponde a 7,5% de suas despesas. Já uma de renda alta gasta cerca de 26%.
Os dados mostram o perfil das pessoas que consomem atividades culturais no país
e reforça a falta de olhar dos órgãos governamentais em democratizar o acesso a
elas. Parte da população ainda vive com o estigma de que museu e atividades
culturais são destinadas somente a pessoas ricas quando, na verdade, é direito
de todos.
Nesse
ponto, curiosamente, a pandemia de covid-19 trouxe uma mudança de paradigma.
Estudo do Itaú Cultural em 2020 indica que dois terços da população brasileira
(67%) passaram a ter acesso a atividades culturais por meio de lives na internet, como
filmes e visitas guiadas a museus de forma virtual. Assim, grupos de diversas
faixas etárias e de poder aquisitivo variado puderam conhecer um pouco mais
desse universo. Evidentemente ainda estamos longe da excelência, mas já podemos
ver algumas mudanças. Quando tivermos políticas consolidadas de democratização,
certamente o indicador vai ser maior no pós-pandemia.
É
justamente nesse ponto que entra o segundo fator que explica a falta de
cuidados do país com seus museus. Não temos por aqui o mesmo carinho e
dedicação de outras regiões do planeta. Países da Europa e da Ásia têm uma
relação diferente com a cultura. Nesses locais, ainda que o acesso também seja
difícil, as pessoas compreendem sua importância, uma vez que há um sentimento de
pertencimento que passa entre as gerações pelas famílias, escolas e até mesmo
pela classe política.
Quer
exemplos dessa diferença de tratamento? Em 2019, a famosa Catedral de
Notre-Dame, em Paris, também sofreu um incêndio. Logo nos primeiros dez dias
após a tragédia, o valor levantado em doações era superior a € 750 milhões,
cerca de R$ 3,3 bilhões na cotação da época. O Museu Nacional, um ano depois,
tinha levantado cerca de R$ 316 mil. Infelizmente o Brasil ainda está na
contramão da história. Ainda que os números em 2020 tenham crescido de forma
expressiva, é preciso ir além para manter essa onda. Enquanto não tivermos
políticas de base voltadas a essas questões, seja na esfera federalna estadual
ou na municipal, o estigma de que não valorizamos a cultura brasileira
continuará.
Os
dois exemplos citados no texto são reflexos do descaso que nossas instituições
culturais sofrem do poder público – principalmente no que diz respeito à
preservação e conservação de seus patrimônios. Na maioria dos casos, tais
medidas só são tomadas quando uma catástrofe está para acontecer. Ou pior,
quando elas já ocorreram. Passaram-se dois anos do incêndio do Museu Nacional e
sete anos do fechamento do Museu do Ipiranga. O que resta é torcer para que os
projetos de reconstrução e revitalização dessas instituições (e das demais)
possam ser monitorados de perto pelos órgãos competentes, permitindo preservar
nossa história e nossa memória à posteridade.
*
Marcos Lima é coordenador do Museu da Obra Salesiana no Brasil (MOSB) e
contribui com conteúdos em parceria com o Centro Universitário Salesiano de São
Paulo – UNISAL.
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